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#NaPausa discute erros na justiça criminal e condenações injustas

#NaPausa discute erros na justiça criminal e condenações injustas

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“E de quem é a culpa?”. A pergunta retrata o anseio mais comum dentro dos corredores do judiciário diante de situações de falhas e injustiças. O tema permeou a edição do #NaPausa“ da última terça-feira (29-09) e trouxe à luz o tema “O sistema de justiça e as condenações injustas” em um bate-papo com o defensor público titular do Núcleo de Apoio ao Preso Provisório e Vítima de Violência (Nuapp), Emerson Castelo Branco, e com a diretora fundadora do Innocence Project no Brasil, Flávia Rahal.

De acordo com Emerson Castelo Branco, a busca por culpados não deveria ser o ponto principal. “Erros acontecem, não podemos fugir dessa realidade, pois somos humanos. Mas, acredito que a união de forças dentro do sistema de justiça é imprescindível para que esses erros sejam identificados e assim termos condições de correr contra o tempo para corrigi-los. É preciso que exista a conscientização de que somos um time da justiça onde é necessário ter mais diálogo e cooperação, ao invés de procurar definir se a culpa é advogado, defensor, promotor, juiz, delegado, policial”, contextualizou.

A fundadora do Innocence Project no Brasil, Flávia Rahal, reforçou a necessidade de falar sobre o tema dentro de espaços de reflexão coletiva. “É uma honra estar aqui para falar sobre algo que é tão caro às pessoas: o cumprimento da justiça. Em 2019, a Defensoria Pública do Ceará e Innocence travaram uma batalha em conjunto pela liberdade de um homem condenado injustamente. A soma de esforços resultou no resgate da dignidade e da inocência do Antônio Cláudio Barbosa de Castro. O Innocence realiza um trabalho voltado ao enfrentamento das graves questão das condenações de pessoas inocentes pelo mundo, mas o que reforçamos é para que a atenção de todos os envolvidos estejam no início do andamento processual para evitar o sofrimento de uma condenação indevida”, esclarece.

O debatedores frisam que embora seja compreensível as falhas, é preciso repensar e desenvolver novos métodos que visem reduzir as práticas de injustiças. “O fato é que um erro na justiça criminal ocasiona um peso muito grande na vida de uma pessoa. Uma família inteira sofrendo, sendo afetada por um sentenciamento. Temos sim que aprimorar os caminhos da justiça para que esses erros sejam cada vez menos frequentes”, ponderou Émerson. A diretora do Innocence Project ressalta que é preciso abordar mais e mais o assunto até que todos que participam do sistema de justiça compreendam a essência de sua missão e responsabilidade com a vida das pessoas.

Quebrar a rotina – Durante a conversa os participantes falaram ainda sobre a essencialidade de romper com os maus hábitos, com as limitações das investigações e a importância de desenvolver protocolos. O defensor público compartilhou sua percepção acerca da ausência da investigação criminal. “Como podemos ter mais acusações de tráfico do que por crime de posse de drogas para consumo pessoal? Tem algo muito estranho nisso. Para a pessoa ser autuada pelo crime de tráfico de drogas deveria seguir um protocolo muito rígido e não fazer do fato de encontrar dinheiro trocado, uma balança em casa, um estilete, um pedaço de plástico, serem consideradas provas suficientes. Isso é muito pouco, muito precário. É preciso reforçar o diálogos e criar protocolos. Falam sobre atitudes suspeitas, mas eu pergunto: o que é uma atitude suspeita? Para mim essa acusação é abominável. Se você não viu, então não existe suspeita. Tem que existir elementos reais e não presunção, pois é a partir disso que diversos erros irreparáveis podem acontecer”, afirmou.

“O caminho do judiciário se tornou burocrático e por consequência padronizando os casos”. Flávia Rahal mencionou como o reconhecimento, com base em dados estáticos, é um dos grandes vilões de erros judiciais. “Sabemos que o reconhecimento não é feito como deveria e não segue protocolos ou um rito mínimo, mas ainda assim é elevado à categoria de prova máxima. Em caso de abuso sexual por exemplo, onde só existe a palavra da vítima aquele reconhecimento já determina. A criação de protocolos seria um começo muito importante, para tirarmos esses nós que burocratizam a condenação”.Ela destaca, ainda que na dúvida, a  inocência é que tem que prevalecer, mas que a vivência é inversa. “Encontramos uma presunção de culpa absoluta. Não se consegue combater a violência e prender passa a ser a resposta. Pessoas, vidas, uma justiça que não é matemática – não podemos tratar de forma objetiva, sem reflexão. Não podemos pegar o caso como se tivesse um carimbo e já sentenciar”, complementa.

Outro ponto abordado foi o fato de os processos penais brasileiros terem a denúncia como praticamente a condenação, fazendo com que o processo se torne homologatório. O defensor público e a diretora ponderam que é preciso olhar o processo como de fato foi constituído para existir – como um caminho de proteção e não como algo somente de punição e resposta à sociedade. “As pessoas precisam ser vistas em suas individualidades. Romper a massificação de que todos os casos são iguais. Defesa e acusação deve ter o mesmo valor. Temos que lutar por um novo olhar para justiça criminal – de entender que ninguém está aqui a apontar quem errou, até porque os erros são frutos de uma sucessão de questões, mas acredito que isso acontece diante do vício de ver os processos de forma burocrática que não percebe as pessoas como indivíduos. Cada qual no seu papel tem que olhar para dentro e perceber o caminho de mudança que deve ser percorrido”, pontuou Flávia.

A investigação defensiva é essencial para quebrar esse ciclo automático de acusações. Émerson Castelo Branco relembrou um caso de acusação de tráfico onde sua decisão de ir mais a fundo na busca de provas pela inocência da acusada foi determinante. “A moça namorava um rapaz envolvido com facção e por isso estava também sendo acusada. A família me procurou, estudei o caso e pensei o que eu poderia fazer”. A escolha pela investigação defensorial o levou até a casa da assistida, o lugar onde ela trabalhava, na associação do bairro na qual era integrante e até a uma professora do curso técnico que ela havia feito. “Peguei registro de todos os lugares e pessoas com as quais falei e juntei no meu pedido de liberdade. Eu trabalhei os dispositivos legais junto com a investigação defensorial. Não podemos permanecer presos nessa burocracia que acusa e define a culpa, antes, vencer esse caminho e conscientizar”, defendeu.

A defesa por uma justiça cada vez mais transparente levanta a questão da abordagem policial e como podem ser entradas para erros judiciais. “Em outros países todo o procedimento de abordagem é filmado do começo ao fim, o que traz mais segurança tanto para o policial quanto para a pessoa que está na situação. As coisas não podem continuar sendo feitas de qualquer jeito”, destacou o defensor público. Para Flávia Rahal a questão da abordagem é extremamente delicada e precisa de um olhar muito crítico. “Infelizmente é grande o número de abordagens erradas que acabam levando pessoas a serem presas – abordagens erradas, desnecessárias, combinadas. Essa etapa precisa passar por uma revolução, pois do jeito que está não estar servindo para o propósito o qual foi criada. Para que as coisas possam ser feitas às claras, para que a sociedade possa fiscalizar”.

“O mais essencial é que esse debate continue, ecoe, pois com o fortalecimento do diálogo teremos grande chances de conseguirmos transformar esse caminho burocrático em uma via de reflexão e humanidade, reforçou Émerson.