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Dia da Visibilidade Trans: vidas e histórias que importam

Dia da Visibilidade Trans: vidas e histórias que importam

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“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. O grifo do escritor português José Saramago está no livro “Ensaio Sobre a Cegueira”, que tem como pano de fundo uma cegueira branca que se espalha pela vida das pessoas de uma cidade, colapsando a sociedade. E este colapso tem uma afinidade com o que ocorre historicamente com pessoas transexuais, cuja identidade de gênero é diferente da que lhe foi atribuída ao nascer. Mas o cenário, aos poucos, tem avançado.

“Corri atrás do que eu achava que me faria feliz”. É assim que Caio Barbosa, trabalhador na área de construção civil, começa a narrar a sua trajetória em busca da retificação de nome e seu reconhecimento. Hoje com 25 anos, ele procurou a Defensoria Pública do Ceará, em 2020, para efetivar a decisão sobre reconhecer quem de fato ele é. “Cresci no meio religioso, então, era uma parada meio sinistra. Eu tomei minha decisão quando passei por uma situação bem chata na minha casa. Chegou um amigo e perguntou: cadê o Caio? E minha mãe o corrigiu e falou o nome do (antigo) registro. Desde este dia, eu passei a me impor mais”, conta. O jovem celebra sua conquista, neste 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans. 

Caio é uma entre as 61 pessoas que buscaram a Defensoria em 2020 para a retificação de nome, colocando em prática direito adquirido em 1° de março de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é possível a alteração de registro civil realizada por travestis e transexuais sem que seja necessária a realização de procedimentos cirúrgicos e sem a necessidade de levar para a justiça o caso. Dessa forma, a Lei 6.015/1973 (a Lei de Registros Públicos) passa a ser interpretada de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal. 

Caio foi assistido pela Defensoria Pública na busca da retificação de prenome e gênero em seu registro

 

De 2018 a 2020, 258 pessoas entraram com procedimentos administrativos na Defensoria Pública do Estado para retificar prenome e gênero no registro civil.

“Junto com a Defensoria Pública, eu tive um apoio muito grande: liguei, cheguei, fui bem recebido. Eu pensava que era um bicho de sete cabeças, mas foi uma coisa bem prática, bem resumida”, celebra Caio, agora, com a nova documentação, a que tem seu nome e seu gênero retificados, de acordo com quem ele é. De fato e direito.

A supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública, Mariana Lobo, reforça que é um avanço para a população trans, já tão vulnerável, a simplificação do procedimento para a retificação de nome e gênero no registro civil. “É uma forma de facilitar e tornar mais acessível às pessoas transexuais as possibilidades que elas têm de se afirmarem na sociedade como cidadãs e cidadãos. Este direito tão básico – de ser quem se é – foi historicamente negado a transexuais e travestis. O que fazemos é trabalhar para uma reparação e em ações afirmativas que amparem esta luta”.  

 A história de Caio é semelhante a de muitas pessoas transexuais no Brasil, enfrentando preconceitos dentro do ambiente familiar e diante da sociedade. O estudante de engenharia de pesca da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Daniel, 22, compartilha de uma narrativa que inicia de forma semelhante. “Eu me reconheço homem trans desde os 17 anos. Sempre morei com meus avós e tios, porém, tive que sair de casa aos 18 anos, por conta do preconceito vivido dentro do ambiente familiar”, compartilha Daniel. “Apesar do que aconteceu, não desisti de tentar vencer na vida, consegui entrar na Universidade Federal, atualmente curso engenharia de pesca e também trabalho”, comemora. Ele conquistou seu direito da retificação de nome com gratuidade, por meio da atuação da Defensoria Pública, em 2020: “por volta de um mês e meio, eu já estava com a minha nova certidão em mãos do jeito que eu queria”. A retificação do registro civil, reforça Daniel, é um passo importante para a cidadania dele, de pessoas travestis e transexuais. “Respeitando e reconhecendo como essa pessoa quer ser reconhecida é o primeiro passo. Só ela e inteiramente ela pode dizer quem é e quem não é. Ninguém mais”.

Carlos Daniel celebra a conquista do uso de seu direito como cidadão

Daniel, agora, tenta reunir dinheiro em uma vaquinha virtual para realizar a mastectomia – procedimento cirúrgico para a retirada das duas mamas. “Mesmo que essas pessoas busquem me ajudar, infelizmente, elas não podem me ajudar a custear o sonho da minha vida, a mastectomia masculinizadora, pois o valor é caro e é difícil e distante o acesso para meninos trans de baixa renda que dependem apenas do SUS para fazer esse processo cirúrgico e realizar esse sonho de ser livre do uso do binder”, explica. Binder é a faixa de de roupa usada na altura dos seis para minimizar a presença deles, geralmente usado por meninos trans. 

Daniel chegou à Defensoria por meio do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, um serviço municipal de proteção e defesa da população LGBTQ+ em situação de violação de direitos. Tel Cândido, coordenador do Centro, comenta que pessoas trans (travestis, homens transexuais, mulheres transexuais e pessoas não-binárias) foram as principais demandantes do serviço do Centro em 2019, perfazendo 78% dos novos usuários atendidos. 

“As pessoas trans buscam o Centro por diversos motivos. Além da violência em razão do preconceito à identidade de gênero, a transfobia como sistema estrutural das relações sociais acaba por impactar negativamente no acesso de pessoas trans aos direitos sociais mais básicos, como à renda, à saúde, à educação ao convívio familiar e comunitário sem discriminação”, enumera o coordenador. É por isto, ele explica, que o conjunto de demandas apresentadas pelas pessoas acompanhadas pelo Centro é diverso, incluindo a necessidade de retificação extrajudicial do Registro Civil de Nascimento e o acesso aos serviços de saúde implicados no processo transexualizador, como já citado por Carlos Daniel. 

Para Daniel, entre os avanços que ainda precisam ser firmados na sociedade, está o acesso à saúde e ao mercado de trabalho. “No caso do mercado de trabalho, é muito difícil conseguir um emprego e mais ainda difícil conseguir se manter, por isso que muitos acabam recorrendo à prostituição. Eu acredito que as demandas mais urgentes são esse acompanhamento médico para as terapias hormonais e acesso ao mercado de trabalho”, reforça.

Serviço
Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas
Telefone: (85) 3264 4409

E-mail: ndhac@defensoria.ce.def.br

Saiba que documentação é necessária para entrar com procedimento de retificação de nome e gênero pelo NDHAC

Certidão de nascimento atualizada; (A Defensoria Pública requisitará no Ofício)

Certidão de casamento atualizada, se for o caso;

Cópia do registro geral de identidade (RG);

Cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;

Cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;

Cópia do cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;

Cópia do título de eleitor;

Cópia de carteira de identidade social, se for o caso;

Comprovante de endereço;

Certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)

Certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (Solicitar no Fórum Clóvis Beviláqua)

Certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal); (http://www.jfce.jus.br/jfce/certidaointer/emissaoCertidao.aspx)

Certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; (Será solicitada pela Defensoria Pública)

Certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tse.jus.br/eleitor/certidoes)

Certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos; (http://www.tst.jus.br/certidao)

Certidão da Justiça Militar, se for o caso. (https://www.stm.jus.br/servicos-stm/certidao-negativa)

Certidão do Serviço de Proteção ao Crédito – SPC

Certidão da Centralização de Serviços dos Bancos – SERASA

Autodeclaração de Identidade de Gênero