Escola promove jornada de cuidados para defensoras, colaboradoras e estagiárias
A Covid-19 “escancarou grandes fissuras existentes, que são violências estruturais que envolvem questões de classe social, racial e de gênero”. A afirmação da professora Dra. do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UNB), Valeska Zanello, deu pontapé a uma reflexão importante sobre saúde mental e gênero, tema da I Jornada de Mulheres da Defensoria – evento que integra a programação do “Março de Lutas”, alusivo ao Mês Internacional das Mulheres, promovido pela Escola Superior da Defensoria Pública do Ceará, nesta quarta-feira (17).
Para ela, o fato das mulheres estarem ocupando o front de combate contra o novo coronavírus (Covid-19) une-se ainda a sobrecarga ocasionada por conta das microviolências, decorrentes de um dos fatores prioritários para o adoecimento das mulheres: as masculinidades agressoras. Essas violências que não se resumem a violência física e que apesar de não serem pequenas, são naturalizadas e invisibilizadas. “Acontece que a mulher vem de uma história que a formou para colocar-se sempre em último lugar. Vendo dedos que apontam e decidem quais são suas culpas e determinando quais as regras que devem seguir. Uma estrutura emocional desenhada por seus dispositivos emocionais e maternos, que por vezes, colaboram para uma amputação existencial. A mulher precisa aprender a dizer não e a se cuidar!”, contextualizou.
A diretora da ESDP, Patrícia Sá e Leitão, diretora da Escola Superior, enfatizou que o evento tem o objetivo de possibilitar a construção de estratégias para superação, com leveza e apoio mútuo, do adoecimento mental decorrente da pandemia. “Todas sabemos que a pandemia trouxe uma sobrecarga decorrente da acumulação de tarefas laborais, cuidado familiar, suporte educacional dos filhos e a diminuição do apoio para as necessidades domésticas. Esse novo contexto provoca um impacto na saúde mental das mulheres”, realçou a diretora .
A defensora pública geral, Elizabeth Chagas, esteve presente em toda a programação e destacou o necessário suporte da instituição com seus membros e o autocuidado. “Diante dessa doença que vem se agravando e do fato de como ela tem nos afetado, impondo desafios diários, nos deparamos com uma necessidade latente de autocuidado, de estabelecer conexões. Então, em meio a este tempo difícil, que bálsamo é podermos parar um pouco para ouvir a contribuição para ecoar nas nossas mulheres a defesa e conscientização da saúde mental”, frisou Elizabeth.
Durante a conversa Valeska Zanello elencou ainda sobre a pressão da responsabilização exclusiva do “cuidado”. “Nós somos demandadas intensamente no cuidado e isso tem a ver com a forma com que a mulher se constitui subjetivamente. A própria justiça é uma super tecnologia de gênero. Aqui no Brasil geralmente quem é indicado por negligência infantil são as mães, pais só em duas situações: ou quando ele estuprou ou quando faz uso de drogas. Isso é o Estado Brasileiro dizendo que quem é responsável pela criança é a mãe. Fortalecendo a desresponsabilização e inviabilização do pai. Tem muitas coisas que precisam avançar, não só nas leis, mas na aplicação para que haja justiça”, evidenciou.
A subdefensora pública geral do Estado da Bahia, Firmiane Venâncio, mestra pelo Programa de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia, ressaltou o pioneirismo do Ceará na proposição de olhar pro seu corpo técnico feminino e sobre os espaços de poder. “Essa ainda é uma questão sensível para nós, mulheres, seja dentro ou fora da Defensoria Pública. Quando uma mulher ocupa uma posição de poder e liderança dentro de uma instituição esbarra com a violência simbólica que compromete sim a sua saúde mental. Hoje, as mulheres que entram na carreira, chegam com uma outra visão, apropriadas de seu espaço de fala e com uma postura que visa conquistar um modelo igualitário. Mas, há 21 anos atrás, quando eu entrei, não era assim. Que bom que hoje nossas mulheres estão se preparando cada vez mais para essa luta”, comemora.
Ainda segundo Firmiane Venâncio, não se pode deixar de admitir que as divisões sexistas tornaram as mulheres encarregadas dos deveres relacionados aos cuidados. A pandemia tem potencializado a exigência de cuidados. Então, nos deparamos com rotinas que exigem conciliar o trabalho, a casa, os filhos, o companheiro, a família – um conjunto de áreas que esperam pelo cuidado da mulher e esse conjunto tem resultado em uma grande sobrecarga”, considerou a defensora.
A supervisora e titular do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem), Jeritza Braga, fala sobre o processo que vem acontecendo de conscientização e percepção da mulher em relação a sua identidade, de realmente saber quem é e seu papel social. “Precisamos mais do que nunca levantarmos esse tema, para que as mulheres se apropriem disso, da sua força e verdade. No Nudem escuto diariamente histórias de mulheres que já não conseguem perceber o ambiente que estão inseridas, que não reconhecem o valor de sua fala e pensamentos por estarem enraizadas em uma relação opressora e abusiva. A Jornada sobre Saúde Mental é um alerta para que nossas mulheres se enxerguem e possam escolher pelo autocuidado e efetivação dos seus direitos”, contextualizou.
“Nada está sob nosso controle”. A reflexão bastante real é da coordenadora do setor de Psicossocial da Defensoria, Andreya Amendola Arruda, que complementa defendendo que ter esse entendimento possibilita uma caminhada de vida leve e com respeito a si. “Não temos como pensar que vamos conseguir resolver e dar conta de tudo, porque muitas vezes, coisas que havíamos planejado acabam não acontecendo, tomando outros rumos. Se não tivermos essa consciência as circunstâncias acabam pesando e nos adoecendo”, alertou.
Andreya explicou que com a pandemia e o isolamento, a vida tem se concentrado toda dentro das casas. “O trabalho invadiu o nosso sagrado – nossa casa – e agora, ali existe um universo de sentimentos e lidar, conciliar tudo isso exige muito autocuidado. Temos que desmistificar a busca pelo cuidado individual, a aceitação de que é preciso pedir ajuda. Isso não é fraqueza, ao contrário, é coragem de mudar para ser melhor consigo e com os outros”.
Elizabeth Chagas ressaltou sobre o compromisso com a Saúde Mental e o convênio da instituição com a clínica de acompanhamento psicológico. “Sabemos que o momento pede um olhar individual de mais cuidado, de acolhimento e reorganização da rotina. É importante destacar que a Defensoria Pública tem um convênio com o Centro de Estudo em Psicologia (CEMP), que beneficia defensores(as) e colaboradores(as). Então, aproveito para reforçar a necessidade de conscientização sobre autocuidado, como maneira de preservar a saúde mental”, disse a defensora geral.
E para encerrar, a Jornada contou com um momento de boa música com a cantora e compositora caririense, Jord Gueds, que também é assistente social do Tribunal de Justiça, no juizado da mulher.


