“Ser antirracista é uma prática cotidiana”, afirma antropóloga Izabel Accioly na 97ª edição do #NaPausa
O #NaPausa registrou nessa quinta-feira (24/6) um momento histórico para a Defensoria Pública. O programa de conversas e debates ao vivo da instituição no Instagram pautou novamente a desigualdade racial, mas desta vez com as contribuições de três mulheres negras. Elas, as mulheres negras, que os estudos socioantropológicos colocam na base da sociedade por reunirem opressões de três naturezas: de raça, de gênero e de classe, com a raça “puxando” os outros dois marcadores. Por isso, elas ocupam o lugar de fala mais apropriado para a discussão do tema do programa: “não basta não ser racista, tem que ser antirracista.”
Participaram: a ouvidora geral externa da Defensoria, Antonia Araújo, e a antropóloga Izabel Accioly. A apresentação e mediação foram feitas pela jornalista Alana Araújo, da equipe da Defensoria. “Às vezes, a gente acha que ser pessoa negra é só uma questão biológica. É você ter certas características. É isso, mas também é além. É o sentido social atribuído a você. Eu, por exemplo, não me considerava alguém com baixa capacidade, como as pessoas supunham sobre mim. Foi isso o que me levou a pensar: o que eu sou?”, explicou Izabel Accioly.
Ela detalhou que o Brasil pratica o que os estudiosos chamam de “preconceito de marca”, quando as características físicas da pessoa são determinantes para ela ter direitos negados e sofrer violências de toda espécie, como acontece com negros e negras. Da mesma forma, o fenótipo de indivíduos brancos lhes favorece. “Negros são tratados diferente pela Polícia, na hora de procurar um emprego etc. Para pessoas brancas, é diferente. Elas estão imersas no ideal da branquitude. São programadas para serem racistas e pensarem que tudo o que têm é porque elas merecem e se a pessoa negra não tem a mesma coisa é porque não lutou o suficiente”, afirmou a antropóloga.
Izabel alertou, no entanto, que ser antirracista não é simplesmente não falar palavras racistas ou não postar na Internet conteúdos preconceituosos. Antirracismo é, segundo a estudiosa, um estilo de vida. “Ser antirracista é prática cotidiana. Deixar de fazer post é medo de cancelamento. O racismo não é só um ato ou um xingamento. É um processo histórico, social e político de um grupo racial subjugando outros. São séculos e séculos e essa estrutura não se modifica. A escravidão acabou, mas a estrutura se manteve a mesma. Quando a gente fala que o racismo é estrutural no Brasil é porque o racismo é o elemento fundante do país. Está na base de tudo. O racismo influencia até as nossas relações mais íntimas. A gente é educado pra não admirar o que é relacionado ao negro. E a gente, negro, é convencido de que ser negro é feio”, pontuou.
Por isso, ela disse ser fundamental conhecer mais do universo da negritude a partir da perspectiva de autores negros ou autores que estudem a temática. Nomes como o do professor Silvio Almeida, advogado e teórico sobre o conceito de racismo estrutural, foram apontados por Izabel Accioly. A pesquisadora afirmou ainda que o ódio à população negra brasileira “é um projeto eugenista, um projeto de Estado”. E ponderou: “mas o direito à dignidade não é compartimental. É de todos.”
Já a ouvidora geral externa da DPCE enalteceu o fato de ser a terceira mulher negra consecutiva a ocupar o cargo. Desde que foi criado, há 11 anos, o órgão nunca foi gerido por uma pessoa branca. Todos os nomes são eleitos e fruto de movimentos sociais. Antonia Araújo revelou ser recorrente deparar-se com o espanto de assistidos que procuram a Ouvidoria e encontram lá uma mulher negra. “Muitas vezes, as pessoas perguntam se eu sou funcionária. Ou querem saber como eu cheguei até aqui. E eu preciso explicar que o meu lugar, enquanto estou ouvidora, é o lugar dos movimentos sociais e dos assistidos. Existe, então, o susto e o alívio. Susto porque no sistema de justiça como um todo quem está em cargos assim são pessoas brancas. E alívio porque elas se identificam.”
Militante do movimento negro, Antonia afirmou que o racismo é uma expressão de quem tem privilégios e que povo negro não tem privilégio no Brasil. “Mesmo quando se está numa posição social melhor, o negro é acusado de ser negro. Os marcadores nas nossas vidas são muito fortes, mas quando a gente fala disso dizem que é mimimi. Quem diz isso não está do lado de cá, com todas as amarras que nós temos, sobretudo as mulheres negras.”
Ela enalteceu o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec), região cearense na qual nasceu e iniciou a atuação em movimentos sociais. Antônia criticou o mito de que o estado não tem negros. Historicamente, há registros comprobatórios de negros no Ceará, boa parte oriunda de onde hoje é a República Democrática do Congo, na África, e da importância dessa população para a formação sociocultural do nosso povo.
“Aonde a gente vai a gente tem essa missão de falar do peso do racismo. E o Brasil perde muito ao se manter nessa estrutura dura para a população negra. O tempo todo a nossa militância é posta em cheque. O Brasil precisa se posicionar no campo de humanidade, ser capaz de respeitar as individualidades das pessoas. Isso não é se diminuir. É se colocar em defesa do povo. A gente precisa mudar o marco civilizatório que está aí. Porque se alguém está satisfeito com ele é porque tem privilégios”, afirmou a ouvidora.
Por fim, Antonia enalteceu a instituição de cotas raciais dentro da Defensoria Pública. Em novembro de 2020, a defensora geral Elizabeth Chagas editou uma instrução normativa destinando 20% das vagas de qualquer concurso e seleção para pessoas autodeclaradas pretas e pardas. A escolha de novos estagiários, que está em andamento, já segue essa orientação e o próximo concurso para defensor(a) também será assim.
“A cota é uma novidade muito boa. É uma reparação que vai fazer os assistidos se sentirem representados sendo atendidos por mais defensores negros. Quando a Defensoria institui cotas, dá um passo à frente. Quem sabe a gente não faz um clube das pretas na Defensoria? É uma ideia”, propôs Antonia.
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