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Defensoria consegue absolvição de três réus após evidências de obtenção de provas criminais por meio de torturas

Defensoria consegue absolvição de três réus após evidências de obtenção de provas criminais por meio de torturas

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No próximo dia 26 de de julho é recordado o Dia de Combate à Tortura. Há 70 anos, a proibição da tortura era proclamada no art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948. Conforme o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante integra o rol de direitos individuais e coletivos. O artigo também define a tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Durante esta semana, a Defensoria obteve uma vitória importante no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) no que tange a questão, com a anulação da condenação de três réus da Vara de Delitos e Organização Criminosa em razão da prática de tortura pelos agentes estatais. As provas obtidas, no ato da prisão, foram desconsideradas e os mesmos foram absolvidos das penas que haviam sido estabelecidas pela sentença do magistrado de primeiro grau.

Conforme os testemunhos contidos nos autos, um dos réus teve a casa invadida pelos agentes, que ingressaram na residência com a finalidade de obterem provas acerca da ocorrência de crime. Segundo depoimento, o primeiro acusado teria sido amarrado e torturado com uma toalha úmida em seu rosto, afogamentos e sofrido agressões físicas para confessar onde estavam as provas, bem como revelar a localização dos demais. A fala dos réus foi endossada por testemunhas que confirmaram a truculência dos policiais.

A defensora pública Carolina Chaib, à época responsável pela instrução do processo, relata que todos os réus foram unânimes nos relatos de torturas das mais variadas formas. “Desde ser amarrado e espancado com toalha molhada até usarem saco na cabeça para faltar o ar, seguidos de murros, tudo isso em busca de algo que os incriminasse. Um deles, o que os policiais dizem ter sido abordado na calçada, estava dormindo com a esposa, e ela também foi agredida. Uma das testemunhas relata inclusive agressão a um filho dos acusados, que levou um tapa na cara”, expõe a defensora.

O crime de tortura consiste-se em constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, por vezes, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou localização de terceira pessoa. O que ficou configurado nos autos: após coação dos agentes, foi encontrada uma arma de fogo e entorpecentes na residência, e o réu foi preso. Além disso, outros dois acusados também foram levados ao cárcere em razão daquilo que o primeiro havia revelado. Nos autos do processo, registra-se ainda uma fotografia onde os acusados com adesivos do Cotar (Comando Tático Rural) e Cotam (Comando Tático Motorizado) na boca. 

A ação dos agentes foi denunciada e o órgão de disciplina da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará e o Ministério Público, nas suas respectivas atribuições para a investigação necessária e possíveis punições. 

A Defensoria destaca que houve estranheza com o fato de a audiência de custódia só ter sido realizada , dias após a prisão (dia 01 de fevereiro de 2019), sendo que o crime foi datado em 26 de janeiro de 2019. Mesmo assim, ficou constatada as agressões e determinou a realização do exame de corpo de delito, porém, o resultado não constava no processo. Chaib ressalta a importância de que o Estado seja combativo à tortura. “Nosso Estado Democrático de Direito não admite esse tipo de conduta. Que a polícia siga fazendo seu trabalho mas de forma direita, não se valendo de tortura, prática que há muito se abomina”, reitera.

Responsável pela apelação vitoriosa no processo, o defensor público da Vara de Delitos de Organizações Criminosas, Francisco Firmo Barreto de Araújo, exalta a importância do combate às práticas de tortura no âmbito criminal. “A garantia dos direitos humanos é muito valiosa para toda a nossa sociedade e especialmente para o sistema de justiça. Todos devem ter garantidos os direitos fundamentais estabelecidos na nossa Constituição Federal. Não podemos tolerar práticas como estas nos dias atuais. A eventual prática de tortura deve ser, devidamente, apurada, respeitando-se os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa de todos os suspeitos”, assevera.

Os três réus foram condenados com penas que variaram de 11 a 16 anos, contudo, após apelação pela nulidade do processo, foram absolvidos. Os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do TJCE decidiram pela anulação da condenação dos três réus, entendendo que todos os atos subsequentes à ação na casa do primeiro indivíduo são ilícitos diante dos atos praticados pelos policiais que macularam todos os elementos de prova colhidos na investigação, seguindo a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. Por ela, se  traduz a ideia de que, uma vez obtida a prova por meio ilícito, todas as demais provas dela decorrentes, conhecidas como provas por derivação, também são consideradas ilícitas. É como a metáfora: se a árvore está envenenada, todos os seus frutos também estarão.

Supervisor das Defensorias Criminais, o defensor público Manfredo Rommel Candido Maciel reconhece a importância da decisão e reitera o papel da DPCE como órgão que promove a guarda dos direitos humanos. “Essa decisão é um reconhecimento judicial da existência da tortura como prática de alguns policiais. Nós das defensorias públicas criminais estaremos sempre atentos não só na defesa judicial dos hipossuficientes, mas sobretudo no combate à tortura e na promoção dos direitos humanos!”, ressalta.

Protocolo de Combate à Tortura – A Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPCE) instaurou em 2021 uma orientação inédita à atuação das defensoras e defensores para detectar casos de tortura e outras violências. Editada pela defensora geral Elizabeth Chagas, a medida é fruto de articulações com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Associação de Prevenção à Tortura (APT), organização não governamental de origem internacional e referência mundial na temática.

O protocolo e um formulário foram elaborados para defensores e defensoras cearenses conseguirem identificar e registrar com mais facilidade casos de agressão, abuso, tortura, violência psicológica ou outro tratamento cruel – e, assim, fazerem os encaminhamentos necessários a cada tipo de ocorrência.

Comentários vexatórios, ameaças à família, constrangimentos e toques não consentidos são exemplos do que agentes de segurança não podem fazer, além, claro, da agressão física. Ocorrências com mulheres também precisam de atenção especial. Em geral, alerta a APT, elas sofrem tortura ligadas ao corpo em questões de desnudamento, falas libidinosas etc. Por isso, tanto o protocolo quanto o formulário dispõem de seções exclusivas para demandas de gênero.

Também há no documento o componente de raça, já que boa parte do público da Defensoria é de pessoas negras, moradoras de periferia e em situação de vulnerabilidade. Apenas Ceará e Pernambuco até o momento estão replicando a experiência.