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Rede Acolhe acompanha dor de crianças e adultos com famílias destruídas pelo feminicídio

Rede Acolhe acompanha dor de crianças e adultos com famílias destruídas pelo feminicídio

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O Ceará é o segundo estado brasileiro com a maior taxa de homicídios de meninas e mulheres. De acordo com dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa é de 7 mortes a cada 100 mil mulheres no Estado. Os números são de 2020, quando 329 mulheres foram mortas, um aumento de 104 homicídios em relação ao ano de 2019.

Dentre os casos que resultaram em mortes de mulheres no Estado, apenas 8% delas foram qualificadas como feminicídio. A defensora pública Gina Kerlly Pontes Moura, que acompanha familiares de vítimas de homicídios em Fortaleza, pelo projeto Rede Acolhe da Defensoria Pública do Ceará, destaca que esse número pode ser ainda maior do que os registros oficiais apontam.

“Realizamos busca ativa dessas famílias para serem acompanhadas pelo projeto, e o que conseguimos perceber desse trabalho é que não existe ainda a classificação do termo feminicídio de forma adequada. A gente não sabe exatamente, desses 329 assassinatos de mulheres, quantos foram em decorrência do feminicídio”, complementa Gina.

A Lei do Feminicídio (13.104) vigora desde 2015 e representa uma qualificadora do homicídio doloso (quando há intenção de matar), englobando crimes em que a vítima foi morta pela sua condição de mulher ou em decorrência de violência doméstica. Mas depois que esse crime acontece, qual o suporte que a família recebe e como seguir depois da tragédia?

A grande maioria de mulheres vítimas de feminicídio são mães de crianças e adolescentes que, de forma repentina, tiveram que sair de suas casas e de suas rotinas para viver em abrigos ou em casas de parentes. Sem a mãe e o pai, muitas vezes, essas famílias não têm condições financeiras de arcar com a chegada inesperada de um novo integrante. Além da mudança no orçamento familiar, uma criança enlutada e marcada pela violência no seio familiar precisa de acompanhamento psicológico, atenção e amor redobrados.

Gina Kerlly explica que o feminicídio deixa um rastro de dor que segue vivo após o assassinato da mulher. “Familiares, principalmente os filhos, se veem diante de muitas dificuldades para reconstruir a vida, lidar com a ausência da mãe, com as novas conjunturas familiares, novos lares. Acompanhei um caso de mãe e filha que foram mortas pelo ex-companheiro da mulher, padrasto da adolescente, e pouco tempo depois a avó morreu. A perda repentina da filha e da neta gerou uma dor e um sofrimento sem tamanho que ela padeceu. O padecimento feminino é doloroso”, destaca Gina.

Rede Acolhe
Por meio da Rede Acolhe, os familiares das vítimas de homicídio encontram assistência jurídica e acompanhamento psicossocial que faz o encaminhamento para os demais atores de uma rede de garantia de direitos. De 2017 para cá foram 342 casos acompanhados pelo projeto. Hoje, a equipe dá assistência a nove famílias que perderam mulheres vítimas de feminicídio.

“Nos casos de feminicídio que acompanhamos, o que vemos na mídia ou a preocupação das outras instituições é com o processo criminal, é sobre se a pessoa responsável pelo crime está realmente presa, mas não é só isso. Como essa família vai seguir adiante? Como ficam as crianças vítimas também dessa violência? Qual o amparo que é dado a elas? Esse universo não é falado, não é discutido. E é essa a preocupação da Defensoria, que está fazendo a diferença nesses contextos familiares. A família quer respeito à memória e claro que se faça justiça, mas também quer fechar um ciclo e seguir adiante”, destaca Gina.

Ingryd Melyna, assistente social da Rede Acolhe, explica os diversos encaminhamentos dados pelo projeto. No campo da política de assistência social, as demandas são encaminhadas para os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), para atualização do CadÚnico e Bolsa Família e pedido do benefício eventual de cesta básica; já na política de saúde, os encaminhamentos são feitos para as Unidades de Atenção Primária à Saúde (UPAS) e para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Infantil), por exemplo, porque muitas vezes a alimentação e a condição física das crianças são afetadas.

“Durante os atendimentos psicossociais e jurídicos ficamos atentas às demandas da criança, filha da vítima e da família ampliada que está acolhendo aquela criança. Por exemplo, por vezes, os filhos dessas mulheres presenciaram a sua morte ou testemunharam agressões anteriores, por isso, necessitam de atendimento psicológico contínuo e gratuito. Além disso, sempre que necessário, contatamos os equipamentos de educação, pois há crianças que já estavam afastadas da sala de aula a mando do agressor ou irão precisar mudar de escola devido à mudança de endereço”, complementa Ingryd.

É nesse momento que a equipe da Rede Acolhe faz a articulação internamente e aciona defensores públicos de determinados núcleos especializados, a depender das demandas apresentadas pela família. “Em um primeiro momento, a família nos apresenta os problemas econômicos, porque aquelas mulheres mortas eram as responsáveis pelo sustento da família, surgem ainda as questões de saúde física e mental e as de risco à vida de quem ficou, porque algumas vezes são mortes ocasionadas dentro dos conflitos de territórios. Tudo isso requer uma atenção especial. Depois que ultrapassamos essa barreira, identificamos as necessidades jurídicas que envolvem aquela família”, destaca Gina

Além disso, o diálogo com a família sobre as condições de renda, trabalho e saúde é fundamental, visto que muitas possuem outras crianças sob seus cuidados e já se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Violência Doméstica

Nos seis primeiros meses de 2021, o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará registrou 4.772 procedimentos realizados em Fortaleza, representando um aumento de 139% se comparado com o mesmo período do ano anterior, quando foram registrados 1.990 procedimentos.
“Normalmente, a vítima passa vários anos inserida nesse ciclo de violência, em atos que, muitas vezes, não consegue perceber, porque esse ciclo se inicia com as violências moral e psicológica. Outras situações de violência vão ocorrendo, assim como também a violência física. O extremo da violência é o feminicídio”, reforça a defensora pública supervisora do Nudem, Jeritza Braga. Ela reforça a importância da mulher conseguir se reconhecer como vítima para pedir ajuda e romper com esse ciclo, só que não é fácil sair desta situação e é necessária uma rede de apoio para acolher essa mulher.
Diante do legado da Lei Maria da Penha, o feminicídio em contexto de violência doméstica e familiar foi o que ganhou mais destaque no debate que culminou na Lei do Feminicídio no Brasil.

Seis pontos importantes da Lei Maria da Penha para evitar o feminicídio em contexto de violência doméstica

1) A Lei Maria da Penha define cinco formas de violência doméstica e familiar e não pressupõe que só há violência quando a agressão deixa marcas físicas evidentes. Reconhecer a violência psicológica nas relações, não subestimar o risco por trás de uma ameaça ou de uma aparente ‘lesão corporal leve’ podem prevenir violências mais graves, incluindo o feminicídio.

2) Na maioria dos casos, diferentes formas de violência acontecem de modo combinado. É preciso compreender que a violência física é só mais um traço de um contexto muito mais global de violência, que inclui também humilhações, críticas e exposição pública da intimidade, ameaças, intimidações, cerceamento da liberdade de ir e vir, controle dos passos da mulher, forçar a ter relações sexuais. É fundamental também entender que, na violência doméstica, a tendência é que os episódios de agressões se repitam e fiquem mais graves.

3) Não existem padrões e perfis de vítima ou agressor: a violência doméstica contra mulheres cometida pelo parceiro, atual ou ex, é a mais comum, mas não é a única. A violência doméstica e familiar pode acontecer também entre indivíduos com ou sem vínculo de parentesco, mas que mantêm relações de convivência.

4) O uso de álcool, drogas ou o ciúme não são causas e não servem como justificativa para violências. São apenas fatores que podem contribuir para a eclosão do episódio de violência, mas que, muitas vezes, são usados como desculpa, promovendo a impunidade e não a responsabilização pela violência.

5) A culpa não é da vítima: ninguém deve ser responsabilizado pela violência que sofreu.

6) A Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência, como o afastamento ou até a prisão preventiva do agressor.

Serviço

Rede Acolhe

Para ter acesso a Rede Acolhe, foram disponibilizados os telefones: (85) 98895 – 5723, bem como o e-mail: redeacolhe@defensoria.ce.def.br. O atendimento é de segunda a sexta, das 8h às 17h.

Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (NUDEM)
Fortaleza
Celular: (85) 3108-2986 – 8h às 17h
Celular: (85) 9 8949-9090 – 8h às 17h
Celular: (85) 9 8650-4003 – 8h às 17h
Celular: (85) 99856-6820 – 8h às 17h
E-mail: nudem@defensoria.ce.def.br

Atendimento Psicossocial
Email: psicossocial@defensoria.ce.def.br
Celular: (85) 9 8560-2709 – 8h às 14h
Celular (85) 9 89-48 – 9876 – 11h às 17h

NUDEM CARIRI
Telefone de contato: (88) 9 9314-9903