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Atuação estratégica das ouvidorias é destacada em seis Defensorias: “ganho na participação popular”

Atuação estratégica das ouvidorias é destacada em seis Defensorias: “ganho na participação popular”

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Defensorias de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará, Acre e Paraná têm mulheres à frente das ouvidorias. Diversidade de identidades é maior marco entre elas, que são brancas, negras, indígenas, trans e cis. São a cara do povo. E neste Dia do Ouvidor e da Ouvidora argumentam sobre o porquê de os órgãos  serem tão imprescindíveis

 

Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Valdir Marte

Diferente do cenário logo após a promulgação da Constituição de 1988, quando Defensorias Públicas surgiram em algumas localidades do Brasil, o país tem hoje DPs em todos os 26 estados e no Distrito Federal. Em 17 delas, há ouvidorias que atuam como ponte entre a instituição e a sociedade civil, como é o caso da DP do Ceará, que em 2024 completa 14 anos. Elas têm como parâmetro a Lei nº 132/2009, que estabelece a criação e a implantação desses órgãos.

Isso inaugura um novo ciclo de participação social democrática no Brasil e remonta à primeira ouvidoria de uma Defensoria Pública estadual, criada em São Paulo há 18 anos (em 2006, portanto, antes até da lei de 2009). “De lá pra cá, houve uma série de evoluções e avanços institucionais pra ouvidoria ser cada vez mais esse instrumento que luta pela qualificação constante do acesso à justiça. Nosso maior desafio, talvez, foi ampliar nossa capacidade analítica e de incidência”, pontua a atual ouvidora, a advogada popular Camila Marques.

Nos últimos dois anos, segundo ela, a ouvidoria da DPSP registrou aumento de 35% nos atendimentos. As demandas hoje chegam presencialmente, por telefone, via formulário eletrônico, em videoconferência e até por carta. E trabalha-se também em atividades itinerantes para o setor alcançar cada vez mais pessoas, já que ser parte da mais jovem instituição do sistema de justiça muitas vezes demanda estratégias para se fazer mais conhecido.

“Tudo o que a gente gera de dados, a gente faz relatório com diagnóstico e recomendações e apresenta à gestão superior da Defensoria. Vamos monitorando e construindo projetos em cima do que foi levantado. Mas a gente não só recomenda. A gente já apresenta o projeto pronto. Depois, a gente faz uma série de articulações para implementar. Por isso, é impossível imaginar a Defensoria sem uma Ouvidoria dialógica, construtiva e popular, porque não faz sentido se afastar dos movimentos”, acrescenta Camila.

 

 

À frente da Ouvidoria da mais antiga Defensoria Pública do Brasil (a do Rio de Janeiro, com 70 anos), Fabbi Silva estima a feitura de cerca de 1.500 atendimentos por mês. Os registros são de pessoas de todo o Estado, já que o órgão faz diligências na capital e no interior. “O maior ganho da Ouvidoria é a participação social. Quanto mais conseguimos adentrar os espaços, maiores vão ser as mudanças, porque a ouvidoria é um espaço de diálogo entre o usuário do serviço e a Defensoria. Nós somos aliados do serviço prestado pela instituição, mas temos o papel de levar as demandas das pessoas atendidas para a gestão e, assim, construir ações efetivas”, detalha a ouvidora.

No Rio, a Ouvidoria existe desde 2006. Porém, só ganhou caráter externo (ou seja: com os movimentos sociais elegendo o(a) ouvidor(a)) em 2016. Nesse ínterim, defensores(as) exerciam a função. “Não ter uma Ouvidoria seria o cenário de não existência de serviços de qualidade e que respeitem o usuário. Seria a Defensoria para os defensores e seus cargos e salários. Porém, ainda nos deparamos com muita gente que não sabe diferenciar o que é Defensoria e o que é Ministério Público. Ainda são poucos os que sabem qual nossa função social dentro da instituição”, complementa Fabbi.

ESCUTA CIDADÃ E CONSELHO
Na Bahia, Naira Gomes é a quinta mulher negra consecutiva a ocupar o cargo de ouvidora da Defensoria Pública. O setor existe há 15 anos e tem uma mulher indígena como ouvidora adjunta, o que denota tanto o componente de gênero quanto o caráter racial enquanto determinantes para a atuação do órgão numa estrutura cujo público-alvo mais recorrente tem essas mesmas características e demandam, principalmente, questões coletivas.

Os atendimentos acontecem de forma presencial, por e-mail, WhatsApp e telefone. “A Ouvidoria fica em Salvador, mas a gente faz atividades pelo estado inteiro: em sede quilombola, de sindicato, em praça pública… A gente faz uma escuta cidadã. Dessa escuta, a gente desdobra em reunião, audiência pública, ofício à Prefeitura e outros órgãos… Quando vamos a um terreiro, por exemplo, a gente chega a atender mil pessoas de uma só vez. Mas como a dificuldade de acesso à Internet ainda é uma realidade muito presente, a pessoa muitas vezes nos procura porque não sabe fazer nem por telefone. Então, a nossa máxima é: ‘ninguém sai daqui com um não’.”

Estado mais negro do Brasil, a Bahia demanda da Ouvidoria da Defensoria a execução de grandes projetos para lidar com questões sociais como o extermínio de jovens, acolhimento de questões de territórios quilombolas e trato de contextos internos da DPBA. “A gente tem como premissa que a Ouvidoria não serve só ao assistido. Ela precisa também servir à comunidade interna. Da porta pra dentro, há pessoas que têm que ser cuidadas. Por isso, eu falo que somos um órgão de interface. A gente dialoga com os movimentos e, ao mesmo tempo, ouve as críticas e se engaja na melhoria da instituição. Então, não dá pra imaginar a Defensoria sem a Ouvidoria. É a ouvidoria externa que dá pra Defensoria a cara de povo”, diz Naira.

Como presidenta do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas, Norma Miranda Barbosa conhece bem as realidades das colegas. Com 36 anos de militância em prol dos direitos humanos, ela encara o desafio de cobrir a extensão territorial de um estado como o Pará com os serviços da ouvidoria da DP. “Temos territórios da águas, das florestas, dos campos, ribeirinhos, quilombolas, indígenas… E grande parte dessas pessoas que têm seus direitos violados estão muito distantes da capital [Belém]. Lidamos com conflitos de terra e abuso e exploração sexual o tempo todo”, relata.

De acordo com ela, a Ouvidoria tem desempenhado um papel importante na promoção da educação em direitos e estreitado cada vez mais os laços com os movimentos sociais. “Já resolvemos situação de uma pessoa de 39 anos que, aos seis anos, foi cooptada para trabalho infantil, passou por trabalho escravo e foi pro crime sem ter nenhum documento. Ficamos um ano até uma solução. Desafios assim tornam o nosso trabalho muito peculiar. A gente acaba encaminhando e dando resposta pra situações que a pessoa não tinha mais esperança. Mas nós somos a voz da sociedade civil dentro da Defensoria! Por isso, a gente lamenta que ainda tenham estados sem ouvidorias”, pontua Norma.

 

Da esquerda pra direita, as ouvidoras: Camila Marques (DPSP), Naira Gomes (DPBA), Fabbi Silva (DPRJ), Norma Machado (DPPA), Soleane Manchineri (DPAC) e Karollyne Nascimento (DPPR) – FOTOS: Arquivos Pessoais

 

CAUSA INDÍGENA E TRANS
Enquanto a Defensoria do Ceará tem a primeira ouvidora quilombola do Brasil, as DPs do Acre e do Paraná contam, respectivamente, com as primeiras ouvidoras indígena e trans do país. No Norte, Soleane Manchineri tem percebido um aumento nas questões que envolvem os povos originários após a chegada dela ao órgão. São casos principalmente de feminicídio e racismo, e questões ligadas à educação e à saúde.

A ouvidoria da DPAC registra 300 atendimentos por mês. “Atendemos a todos os públicos em situação de vulnerabilidade pra tentar diminuir os impactos negativos que os conflitos trazem pra essas categorias. E temos obtido êxito. Mas as demandas são muito grandes e provam que não é possível a Defensoria existir sem a ouvidoria. Sem a ouvidoria, a Defensoria do Acre se tornaria mais frágil. Nós somos uma ouvidoria dialógica e promotora de direitos humanos”, sintetiza Soleane.

Já no Sul do país, Karollyne Nascimento é uma mulher trans que há dois mandatos é ouvidora externa da DPPR. Por mês, ela gerencia cerca de cinco mil atendimentos e tem como pautas principais a descentralização dos serviços, hoje concentrados somente na capital (Curitiba), e a realização de uma busca ativa pelas pessoas assistidas pela instituição.

Ela sente que ainda há desconhecimento quanto ao real papel que exerce dentro da Defensoria do Paraná. “Temos tentado um trabalho de informações bem didáticas para que a sociedade compreenda o nosso trabalho e o acesso à Ouvidoria. E, por isso, não consigo entender como ainda temos Defensorias sem ouvidorias. A ouvidoria desenvolve um papel fundamental de apoio e complementação do trabalho da instituição”, diz.

Além da relevância do setor, Karollyne também sabe da importância de ocupar o lugar que ocupa. “Eu tento não deixar que a minha identidade interfira no meu trabalho, até porque o importante é como ele é realizado. Faço e realizo meu trabalho com a mesma determinação e eficiência de qualquer outra pessoa. Mas estar nesse local como uma representatividade da população trans é um desafio muito grande. Os desafios maiores são de se manter sempre desenvolvendo o trabalho com muito respeito e dedicação para que este caminho seja trilhado por outras pessoas trans. E espero que este futuro seja bem próximo”, finaliza.