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Renda: Um saber ancestral que se fortalece entre mulheres

Renda: Um saber ancestral que se fortalece entre mulheres

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Cinco mil artesãs vivem e se dedicam ao fazer da renda. O número torna o Trairi um dos municípios com maior número de rendeiras do Ceará, as artesãs reconhecidas internacionalmente pela “arte de tecer fios”, como bem lembra a única mestra da cultura pela renda de bilro da região, Raimunda Lúcia, a Mestre Raimundinha. Ela foi a primeira a chegar no caminhão da Defensoria em Movimento, que levou o projeto “Amar Defensoria – um mar de direitos”, ao Trairi nesta terça e quarta-feiras (dias 28 e 29 de maio), na praça principal de Flecheiras. O projeto assiste às comunidades litorâneas em mapeamento social, cultural, econômico e de direitos dos chamados ‘povos do mar’, que vivem no litoral cearense.

À tarde, a mestra participou e declamou na roda de conversa formada por rendeiras e defensoras, e por parceiros como os projetos Renda Gera Renda, Olé Rendeiras, Casa da Mulher Brasileira e a Secretaria da Cultura de Trairi. Além dela, outras quatro rendeiras da região contaram os desafios de suas comunidades e da sobrevivência pela arte que aprenderam com suas mães e avós. “Trairi é terra de sol, praia e vento, não vamos deixar morrer a cultura da renda com o tempo”, sentenciou a Mestra Raimundinha.

Entraves como o escoamento do trabalho, o desinteresse dos mais jovens em aprender as técnicas, a falta de reconhecimento formal da profissão rendeira perante o INSS, a chegada do turismo como fonte de renda afastando mulheres dos afazeres do artesanato para outras atividades foram lembradas. O secretário da cultura de Trairi, Jucelino dos Santos destacou este ano a inédita realização do I Festival de Renda de Bilro do Trairi, que acontece em setembro, em Flecheiras, “Temos que preservar essa manifestação genuína da nossa cidade, movimentando renda e os saberes tradicionais”, explicou.

A rendeira Salete Souto é uma liderança das rendeiras da região. Trabalha como professora e preenche sua rotina representando um grupo de mais de 180 artesãs do município. No Olé Rendeiras, projeto reconhecido nacional e internacionalmente, capacita, distribui e fomenta a distribuição das peças das artesãs no Trairi. “A primeira coleção veio na pandemia. De lá em diante não paramos mais. A Celina [Hissa, dona da marca Catarina Mina] veio, trouxe pra gente as cores, o que tá em alta e hoje o projeto atinge 14 comunidades aqui da cidade. A renda deu um salto no valor, hoje, pergunte: nenhuma quer sair do projeto! Uma artesã puxa as outras e a gente vai dando as mãos e caminhando”, disse.

Com a almofada no colo, muitas mães e avós cuidaram das suas famílias e ensinaram o fazer às suas crianças, que cresceram já arriscando um ponto e outro, às vezes “sob os cascudos da mãe que brigava que agulha era negócio precioso: não é brinquedo, não!”. A fala de Neta Ferreira, 52, ecoa na narrativa das meninas-teimosas da infância que buscavam nas agulhas um modo de vida ou distração e eram repreendidas pelas mães pelas estripolias com os pontos. Diz que é fácil aprender, em um dia já ensina o ponto básico, a trança, e que hoje se senta em frente à novela. “À noite, depois de ter terminado com os afazeres de casa não há quem atrapalhe, ponto por ponto, ganhar vida em peças coloridas de bilro”.

A roda de conversa foi acompanhada pelas defensoras Camila Vieira, Jacqueline Martins e Aline Pinho. A assessora de projetos, Camila Vieira apresentou o projeto e explicou que a iniciativa é uma necessidade de chegar mais próximo. “Amar Defensoria: um mar de direitos é um projeto que quer chegar mais perto das pessoas, garantindo às comunidades tradicionais – formadas por rendeiras, pescadores, marisqueiras e todos que vivem no litoral – um lugar para uma escuta ativa da população sobre suas necessidades. Nossa intenção é mapear e atender essas pessoas. Então, quem tá aqui é multiplicador e pode levar esta mensagem para outras mulheres que não conseguiram vir”, disse.

A defensora que atua no Trairi, Jacqueline Martins, relembrou a frase da escritora Cora Coralina: “o saber aprendi com os livros, a sabedoria com os humildes”. Para ela, “estar aqui hoje com essas mulheres, que são os tesouros vivos da nossa cultura, já diz que tenho muito mais a aprender com vocês do que a dizer. Estou de portas abertas, a Defensoria na realidade, para as demandas das rendeiras da região”.

A ouvidora Joyce Ramos também acompanhou a conversa e destacou a representatividade de mulheres artesãs. “Nossa proposta é unir forças, um trabalho inicia aqui, mas não termina. A gente vai se fortalecendo, ampliando os espaços, já que estamos falando com mulheres que são porta-vozes das suas comunidades e ganhando ainda mais forças”. Ela disse: “o que estiver no nosso alcance, a gente vai transformar demandas em direitos”.

Representando o projeto Renda Gera Renda, Renata Ladeia, da Célula de Empreendedorismo de Impacto Social da Alece, trabalha com as rendeiras da região e ajuda a viabilizar a venda dos produtos. “Nos dedicamos a fazer a capacitação, o diálogo e a conversa com as mulheres para que a gente possa propagar a arte da renda. Um trabalho em rede na qual a Defensoria se soma”, pontuou.