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“Nós somos potência e podemos ser lideranças”, diz secretária na aula inaugural do programa Defensoras Populares

“Nós somos potência e podemos ser lideranças”, diz secretária na aula inaugural do programa Defensoras Populares

Publicado em
Texto: DEBORAH DUARTE
Foto: ZeRosa Filho

“Eu poderia ter desistido. No decorrer dessa semana, minhas coisas não deram certo; falei para a minha gestora que eu ia desistir, porque eu não estava psicologicamente bem depois que meu filho passou por uma violência e eu enterrei meu marido na quarta-feira. Conversei com minha gestora que eu não tinha condições de vir. Eu poderia ter dado oportunidade para outra pessoa, mas aqui era um sonho que eu sempre tive, de estar dentro da Defensoria. Eu pedi forças para me levantar, encontrei minha amiga que há muito tempo que eu não a via, recebi carinho, acolhimento e estou aqui porque vou lutar e mudar essa violência do meu bairro.”

O relato é de uma das 100 mulheres que começaram a ser capacitadas pela Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) no projeto Defensoras Populares. A aula inaugural aconteceu nesse sábado (22/6), na sede da instituição, em Fortaleza, e foi marcada por palestra ministrada pela secretária nacional de acesso à justiça, Sheila de Carvalho.

A iniciativa é fruto de parceria da Escola Superior da DPCE com a Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) e o Ministério da Justiça, por meio da Saju, via Pronasci. Durante um ano, as defensoras populares serão capacitadas para disseminar conteúdos, elucidando dúvidas da população e implementando projetos nas comunidades nas quais moram.

Estiveram ainda no evento a defensora pública geral do Ceará, Sâmia Farias; a coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tamires Sampaio; a secretária dos direitos humanos do estado, Socorro França; a coordenadora do programa nacional de segurança pública com cidadania do MJSP; a vice-reitora da Unilab, Cláudia Carioca; e a secretária da igualdade racial do Ceará, Zelma Madeira.

Sâmia Farias fez um resgate da construção do projeto, que surgiu na gestão da ex-defensora geral Elizabeth Chagas. “Esse projeto nasceu de muitas mãos, muitos corações, muitas mentes brilhantes para fazer com que ele saísse do papel. E hoje é um dia muito marcante, porque é o primeiro passo. Espero que durante toda essa formação nós possamos nos unir e crescer ainda mais nossa atuação feminina nas lideranças, mostrando a força e a potência da mulher. É uma alegria ter cada uma de vocês aqui, mulheres tão potentes e que vão replicar todo esse conhecimento para a construção de uma comunidade melhor onde vocês residem. Sabemos da potência desse projeto, da diferença social que vocês podem fazer, do papel de transformação social que vocês vão realizar. Espero que no futuro sejam vocês que estejam aqui ocupando esses espaços de poder e que a Defensoria Pública possa ter contribuído nesse processo”, destacou.

Sheila de Carvalho contou um pouco sobre o histórico de como surgiu a ideia do projeto desenvolvido na Defensoria. A essência estava no projeto Promotoras Legais Populares (PLPs), realizado em São Paulo, também para capacitar lideranças comunitárias em noções básicas de Direito, direitos humanos das mulheres, organização do Estado e do Poder Judiciário, dentre outras temáticas pertinentes conforme o contexto do bairro ou região na qual estão inseridas.

“Não tem como não ficar extremamente contente com a diversidade da composição, da formação desse curso. Eu quero muito que vocês entendam esse lugar de pioneiras que vocês terão na institucionalização de uma política pública nacional. Estou realmente muito emocionada. Eu sou de São Paulo, originalmente, e lá a gente conheceu o Promotoras Legais Populares, que era uma iniciativa puxada pela doutora Amélia Teles, que tem uma história de luta muito bonita no campo dos direitos humanos e no campo de defesa das mulheres. Era uma iniciativa muito importante, mas sempre dependendo do esforço dela, de organizações de direitos humanos, dependendo de movimentos sociais para fazer dar certo. E quando a gente estava no governo de extradição apareceu a importância de a gente institucionalizar essa política como uma política pública de Estado. E o Defensoras Populares vai ter esse marco”, afirmou a secretária.

Sheila destacou que a criação do projeto Defensorias Populares surgiu da ideia de se ter um mecanismo dentro da estrutura da justiça e segurança pública que pudesse pensar e aprimorar o acesso à justiça da população brasileira. “Então, a criação da Secretaria Nacional de Acesso à Justiça foi criada para ser um instrumento de pensar políticas públicas de aprimoramento do acesso à justiça através de um diálogo com as nossas instituições de sistema de justiça, com a sociedade civil, com os movimentos sociais, para ser algo que a gente pudesse se valer e conseguir impactar especialmente a vida de grupos em maior situação de vulnerabilidade. E nesses destaco, sim, as mulheres. Então, nesse momento, que a gente vive dentro da Secretaria de Mulheres, virou a agenda mais importante para mim, porque a gente vê os desafios que a gente tem enfrentado.”

A secretária dos direitos humanos do Ceará, Socorro França, representou o governador Elmano de Freitas na solenidade. “Apesar da Constituição de 1988 dizer que o princípio fundamental, o direito fundamental, é o acesso à justiça, é preciso executar, é preciso tirar do papel e é isso que a Defensoria está fazendo. Quero parabenizar a Defensoria, parabenizar todas as defensoras, parabenizar aqueles que fazem com que nós tenhamos o acesso à justiça, para que se possa promover a inclusão, para que a gente possa levar as pessoas à ideia de que todos são iguais e que é a verdade, um juízo e que é a verdade, digamos, da vida. Ninguém é diferente. Ninguém melhor que a Defensoria Pública para promover um projeto igual a esse”, destacou.

A secretária da igualdade racial do Estado, Zelma Madeira, também esteve presente na solenidade e destacou a essencialidade do programa. “Vejo a importância desse programa, porque são mulheres que já estão fazendo um grande trabalho de liderança e que precisam só de oportunidades. Eu digo, orgulhosamente, que nós temos potência e podemos ser lideranças. Eu sou uma liderança não só porque tenho o cargo dado pelo governador Elmano. Eu sou liderança porque eu trabalho para o meu povo. Porque eu me preocupo com o nosso povo de alcançar direito e ter sua humanidade garantida, porque o que o racismo faz é nos desumanizar. Então, essa é uma pauta que eu carrego e eu só faço porque existem vocês. Não tenho dúvidas de que esse projeto vai dar certo porque nós somos potência. Cada mulher aqui é potência, é resistência, é mais do que isso. Nós fazemos para sobreviver. Nós inventamos, nós criamos e recriamos a nossa existência”, afirmou.

O projeto Defensoras Populares atende a 12 localidades: Fortaleza, Aquiraz, Cascavel, Caucaia, Maracanaú, Pacatuba, Redenção, Acarape, Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Macrorregião de Sobral. São mulheres negras, indígenas, quilombolas, ciganas, situações de vulnerabilidade como vítimas de violência, mães solo, pessoas com deficiência, mulheres trans, lésbicas ou em situação que possam ser averiguadas vulnerabilidades. A ideia é que todas sejam impactadas pelo poder transformador da informação em direitos.

A diretora da Escola Superior da Defensoria Pública, Amélia Rocha, destacou esse perfil. “Foi uma das seleções mais difíceis que nós já passamos, mas conseguimos misturar as vulnerabilidades, as histórias de vida, os territórios, para que se pudesse somar nessa convergência tão necessária e transformadora. Um curso que conecta corações, que realmente pudesse conectar todas as vulnerabilidades. Eu vi uma palestra da ministra Cármen Lúcia, em 1998, e ela já dizia: ‘É preciso que a gente compreenda que os direitos fundamentais de hoje já foram crimes políticos pelos quais muitas cabeças rolaram’. Então, o que está na lei já foi luta antes e o que está na lei hoje precisa de luta para permanecer”, frisou.

A ouvidora geral externa da Defensoria, Joyce Ramos, reforçou que o projeto foi pensado para empoderar essas mulheres e fazer com que elas sejam propagadores do conhecimento. “Estamos abrindo portas. Nós somos a resistência e representamos a história e a luta de tantas mulheres que não conseguiram ocupar esses espaços de poder. Não por desejo próprio, mas por tantos entraves, seja do patriarcado ou das mazelas do sistema”, pontuou Joyce.