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Transforma: 60% do público é de pessoas negras, em transição para o gênero feminino e heterossexuais; 78% é jovem

Transforma: 60% do público é de pessoas negras, em transição para o gênero feminino e heterossexuais; 78% é jovem

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Texto: Bruno de Castro
Ilustrações: Diogo Braga

Este ano, 198 homens trans, mulheres trans e travestis de oito cidades serão beneficiadas(os) pelo Transforma, o mutirão da Defensoria Pública do Ceará que muda, de graça e sem burocracia, o nome e o gênero na certidão de nascimento. Quase sempre invisibilizadas pela sociedade, essas pessoas têm rosto e trajetória. Por isso, a DPCE mapeou estatisticamente quem a partir desta terça-feira (25/6) vai começar uma vida na qual olhar para um documento oficial vai deixar de ser um problema.

A partir de dados informados no ato de inscrição do Transforma, é possível traçar um perfil médio dos(as) participantes sobre quatro importantes marcadores: raça, identidade de gênero, orientação sexual e idade. Tudo isso tendo a autodeclaração de cada pessoa como referência, conforme determina a legislação brasileira. Assim, temos o cenário de que a maioria do público do mutirão é negro, em transição para o feminino, heterossexual e jovem, além de ser de Fortaleza.

A exemplo dos anos anteriores, a capital cearense concentrou na edição de 2024 boa parte da demanda (77,5% do total, ou 153 pessoas beneficiadas). Aparecem em seguida: Juazeiro do Norte (17 pessoas), Sobral (11 pessoas), Morada Nova (5 pessoas), Barbalha (4 pessoas), Crato (4 pessoas), Limoeiro do Norte (2 pessoas) e Russas (2 pessoas).

No critério raça, a maior parte informou ser parda (39%). Como o sistema de classificação racial aplicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera o povo negro a soma dos indivíduos pardos e pretos, as pessoas negras são 61% do Transforma. O patamar é superior à quantidade estimada pelo órgão para essa população no país (56%), mas abaixo da realidade de Fortaleza (63%, principal polo urbano) e do Ceará (72%).

Brancos foram a segunda cor mais indicada (36%). E, pela primeira vez, o mutirão alcançou indígenas (1,5%). Em números absolutos, foram três inscrições de pessoas que se declararam pertencentes a povos originários. Como todas elas informaram morar em Fortaleza, e a cidade não tem territórios indígenas formalmente reconhecidos, é provável que se tratem de indígenas não aldeados (que não vivem com seus respectivos povos).

 

Quando falamos de identidade de gênero (ou seja: o modo como cada inscrito no mutirão enxerga a si próprio), as pessoas indicaram estar, em maioria, em transição do masculino para o feminino (mulheres trans foram 53% e travestis foram 10%, chegando, então, a 63%). Homens trans foram 37% do total das 198 inscrições.

No tocante à orientação sexual (ou seja: com quem essas pessoas preferem se relacionar), mais da metade disse ser heterossexual (60%) e 16% afirmaram ser bissexuais. Apesar de ter se popularizado há somente cerca de 20 anos, a pansexualidade já ocupa lugar de destaque (15,5%). Os registros são relevantes sobretudo entre homens trans, mas todas as identidades apresentaram indivíduos pansexuais.

Por fim, o recorte geracional. Enquanto em 2024 apenas uma pessoa com mais de 60 anos participa do Transforma, os(as) jovens (indivíduos de 18 a 29 anos) são a faixa etária predominante (78%). O índice é similar às duas edições anteriores do mutirão e sofre influência em especial dos homens trans, cuja busca pela retificação de nome e gênero acontece de forma mais precoce do que mulheres trans e travestis.

“Todos esses dados comprovam como o Transforma é um programa fundamental. Porque são exatamente pessoas com esse perfil, jovens, negras e periféricas, que têm menos oportunidades e sofrem cada vez mais com a violência”, reflete a coordenadora do Transforma, defensora Lia Felismino, referindo-se ao fato de a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil ser de apenas 35 anos (enquanto uma mulher cisgênero (aquela que se identifica com o sexo biológico e com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento) pode passar de 75).

Ela pontua que alterar o nome e o gênero de homens trans, mulheres trans e travestis na certidão de nascimento é algo muito maior do que apenas corrigir um documento e deixá-lo de acordo com a maneira com a qual a pessoa se identifica. É abrir caminho para o exercício da cidadania. “Nós estamos falando de quem não tem o básico. Essas pessoas não tiveram até agora garantido o direito básico de serem quem são. Isso tem impacto direto e avassalador na vida social delas, na maneira como elas se relacionam com outras pessoas e com a cidade até, já que um documento com o nome e o gênero não corrigidos pode impedir essas pessoas de acessarem lugares. O Transforma é uma janela que a gente abre pra essas pessoas terem algum horizonte de vida menos precária pela frente”, finaliza Lia Felismino.