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Travestis doutoras contam as próprias histórias para inspirar a nova geração de pessoas trans

Travestis doutoras contam as próprias histórias para inspirar a nova geração de pessoas trans

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Fotos: ZeRosa Filho

Convidadas de honra da terceira edição do Transforma, o mutirão da Defensoria Pública do Ceará (DPCE) que muda o nome e o gênero de homens trans, mulheres trans e travestis na certidão de nascimento, Keila Simpson e Luma Andrade destacaram as próprias trajetórias de vida e mostraram que um futuro é possível para essas pessoas. As falas públicas aconteceram nesta terça-feira (25/6), em Fortaleza.

Hoje com 59 anos, Keila brincou: “vou viver pelo menos mais 41 anos e vocês vão ter que me aturar, porque eu serei uma travesti centenária”. O depoimento é uma resistência diante de dois fatos: 1) ser o Brasil o país do mundo que mais mata pessoas LGBTs, sobretudo trans e travestis, há 14 anos consecutivos; 2) terem pessoas trans e travestis uma expectativa de vida de apenas 35 anos. “A sociedade ainda está em guerra conosco”, disse Simpson.

Como presidenta honorária da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), ela celebrou o fato de o Transforma ter alcançado, em apenas três edições, 583 pessoas. Foram 198 só este ano. Por isso, a maranhense radicada na Bahia alertou às mais novas sobre a importância do que aconteceu hoje na DPCE.

“Vocês estão tendo o privilégio de experimentar o que muitas antes de vocês não puderam experimentar, embora tenham lutado e até dado a vida por isso. Então, por favor, tenham o compromisso de lutar por um mundo melhor não só pra vocês mas também para as outras, que não conseguem participar do mutirão. Lembrem que para vocês chegarem aqui muitas ficaram pelo caminho. Valorizem!”, disse Keila.

Ela reivindicou a realização de mutirões como o Transforma pelas defensorias de todo o Brasil. Alguns estados já contam com política pública similar, mas em muitos ela ainda precisa ser criada. “A gente sabe que essa não é uma prática em todo o país. Mas é preciso que se uniformize. E que isso aconteça o quanto antes, porque há muita gente que precisa desse serviço. Quem faz a retificação renasce. Vocês vão sair daqui renascidos”, acrescentou Simpson.

 

 

Já Luma Andrade recordou a origem humilde, do sertão do Ceará. “E isso não me impediu de ser a primeira doutora travesti do Brasil”, contrapôs. “A família não me queria, a igreja não me queria e a sociedade nem me dava oportunidade no trabalho nem reconhecia minha identidade. Isso fez com que eu tivesse forças para seguir em frente”, sublinhou.

A professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab) conclamou as pessoas participantes do Transforma deste ano a mobilizarem outros homens trans, mulheres trans e travestis a estarem na edição do próximo ano do mutirão, que já se tornou atividade aguardada e reivindicada pela comunidade LGBTQIAPN+ cearense. Segundo ela, ainda há um grande desconhecimento dos próprios direitos entre esses públicos, o que dificulta o acesso a direitos muitas vezes básicos.

“Muitas de nós sequer sabe que dá pra mudar o nome de forma gratuita e rápida, como é o Transforma. Mas estar aqui também não é só dar close. É, literalmente, dar o nome. Nós temos que nos unir em prol das que não conseguiram estar aqui. Cada uma de nós tem que trazer, pelo menos, mais uma na próxima edição para conquistar esse direito. Estamos em luta e nosso posicionamento político é fundamental”, declarou.

Luma alertou, entretanto, que “em nenhum momento, nós teremos uma vida tranquila”. Nem mesmo após a mudança do nome e do gênero na certidão de nascimento. Esse, na verdade, é apenas o primeiro passo para um exercício pleno de cidadania. “Mas nós não somos o problema. Nós somos a solução para uma sociedade diversa e baseada no respeito! Por isso, dar o nome não é só dar close. O close é importante, mas não resolve tudo. A verdade é: os primeiros passos para a cidadania são o nome e o reconhecimento da identidade de gênero”, listou.

MAS POR QUE LUMA E KEILA NO TRANSFORMA?
Keila é a primeira travesti a receber um título de Doutora Honoris Causa na história do Brasil e Luma é a primeira travesti a concluir um curso de doutorado no país. Simpson é maranhense e trilhou carreira na Bahia, e Andrade é cearense. As duas são referências nacionais pelos ativismos que desenvolvem em prol dos direitos das populações LGBTQIAPN+, sobretudo as pessoas trans e travestis. A participação das duas visa mostrar às/aos participantes do Transforma exemplos de vida possível no Brasil da intolerância.