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Mumutante: “A gente precisa se afirmar o tempo inteiro”

Mumutante: “A gente precisa se afirmar o tempo inteiro”

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Foto: Arquivo Pessoal

“Nos enxerguem para além do Mês do Orgulho LGBT!
A gente existe todos os dias.”
Thabatta Pimenta (@eupimenta)

Antes de Muriel ser Muriel, ela é Mumutante. Uma designação artística que por muito tempo foi a única maneira de estar mais à vontade com a própria condição de travesti e construir laços sociais. Foi assim até o último dia 25 de junho, quando ela participou do Transforma, o mutirão da Defensoria Pública do Ceará (DPCE) que emite novas certidões de nascimento para pessoas trans, e passou a ter o nome e o gênero a partir de como se sentia: Muriel da Cruz André. Sexo feminino.

“Me afirmar é também uma busca por conforto. Ser Muriel é me afirmar de novo, porque pessoas trans sempre estão se afirmando. A gente precisa se afirmar o tempo inteiro nesse mundo e, pra mim, estava faltando dar esse passo de mudar a certidão. Significa um renascimento; algo que implica muito na autoestima”, afirma.

A partir de agora, ela acredita, será menos doloroso abrir documentos, participar de chamadas públicas ou ler o resultado de editais. Todas são atividades da rotina de Mumutante/Muriel. E o nome vai condizer com o modo como ela se veste, fala e se apresenta. Não será mais masculino. “Torna tudo um pouco mais confortável, porque implica na nossa cidadania. Muda tudo, já que toda pessoa precisa de um nome pra se identificar. Ter o nome que eu escolhi num documento oficial deixa tudo muito mais fácil.”

A intenção de mudar a certidão de nascimento já existia, mas era adiada pela falsa ideia de que participar do mutirão da Defensoria Pública seria algo burocrático e doloroso. “É bem mais fácil do que eu imaginava. Eu pensava que ia ter que ser atendida por muitas pessoas e essas pessoas seriam todas cis (que se identificam com o sexo/gênero do nascimento) e iriam questionar muita coisa. Mas eu fui atendida por um homem trans e o processo foi todo muito prático. Isso me deixou aliviada. Ter pessoas trans envolvidas foi determinante pra ser algo acolhedor. Porque era uma pessoa trans ajudando a outra”, classifica.

Mumutante chegou ao Transforma pelo Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, um equipamento da Prefeitura de Fortaleza parceiro da DPCE que, na edição deste ano, encaminhou 35 homens trans, mulheres trans e travestis ao mutirão. Foram, ao todo, 198 certidões de nascimento alteradas na capital e outras sete cidades cearenses. Desde que foi criado, em 2022, o projeto da Defensoria já beneficiou 583 pessoas trans e travestis.

Para Muriel, a vida vai deixar um pouco de ser um constante pedido de respeito feito no boca a boca, muitas vezes no grito, como foi até aqui. “Desde que me entendo por gente, eu me compreendo uma pessoa que não veio ao mundo para seguir a norma que foi me dada quando eu nasci. Ou seja: quando eu me entendi por gente, eu me entendi por pessoa trans também. Então, meu primeiro caminho foi me reivindicar. Reivindicar o meu próprio eu. Pra mim, mutação é isso: mudar meu corpo, mudar minha fala ou meu gênero… Algumas coisas são difíceis ainda. Mas o lance de me afirmar talvez seja um pouco mais fácil. Através da arte, eu consigo comunicar às pessoas o meu gênero. Tanto o meu gênero musical quanto o gênero que eu gostaria de ser chamada. Mas quando saía do campo artístico sempre batiam a tecla da transfobia e me chamavam por outro nome. Agora? Não vão mais.”