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18 anos da LMP: Defensoras públicas permanecem na luta em defesa das mulheres

18 anos da LMP: Defensoras públicas permanecem na luta em defesa das mulheres

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Texto: Déborah Duarte
Foto: Reprodução/Defensoria Pública do Ceará

Antes da Lei Maria da Penha, as mulheres vítimas de agressão eram amparadas pela Lei nº 9.099/95, que regula os crimes de menor potencial ofensivo. Ou seja, quase sempre, a pena do agressor era convertida em prestação de serviço à comunidade. Até se transformar em um mecanismo legal de enfrentamento à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha foi uma construção de diferentes organizações da sociedade civil. 

O caso Maria da Penha Fernandes foi exemplo da capacidade de organizações dos direitos feministas, que levaram para a alçada internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA)  a denúncia de violação de direitos humanos. 

Dentre as muitas histórias de coragem e determinação, estão o nome de algumas defensoras públicas, que trilharam a luta dentro do movimento de mulheres. Dentre essas, a defensora pública Mônica Barroso, segundo grau de jurisdição, que é uma referência na defesa dos direitos das mulheres. Dentro e fora da Defensoria. Sua atuação foi crucial para o fortalecimento de políticas públicas e a implementação de medidas de proteção que salvaram inúmeras vidas.

“A frase antigamente era ‘roupa suja se lava em casa’. Ou seja, a mulher, se apanhasse, tinha que ficar calada. Não comentar com ninguém , nem com a família. A nossa realidade era: não podia estudar e a função social da mulher era casar e dar herdeiros para o marido. Foi muito difícil as mulheres se engajarem nos movimentos sociais, porque a sociedade não admitia que as mulheres crescessem. Foi uma luta muito atroz. A gente foi aprendendo a lidar, brigando e muitas morreram. A Maria da Penha sobreviveu, mas eu perdi oito assistidas naquela época. A mulher saia da minha sala e na esquina o marido matava. Uma vez passei a tarde inteira realizando um atendimento a uma mulher vítima de violência e no dia seguinte o rosto dela estava nos jornais, porque tinha sido assassinada pelo marido. Isso vai marcando a gente”, relembra.

Monica relembra sua trajetória enfrentando desafios em duas frentes: a criação da Defensoria Pública e a luta pelos direitos das mulheres. “Nós lutamos entre duas trincheiras ao mesmo tempo”, explica, destacando o papel pioneiro do primeiro núcleo de orientação jurídica para mulheres em situação de violência doméstica no Brasil, criado na Defensoria Pública do Ceará. “Eu ficava muito dividida, porque brigava pelas mulheres e pela Defensoria, até que a gente conseguiu unir as duas e criar um Centro de Orientação e de Jurídica das Mulheres, que foi o primeiro núcleo do Brasil a cuidar de mulheres em situação de violência doméstica e familiar nas Defensorias Públicas”.

Com mais de 40 anos de luta pelos direitos das mulheres, a defensora pública olha para trás com orgulho. E lembra com carinho do Bloco do Batom, movimento feminista que ajudou a estabelecer as bases para a proteção das mulheres no Ceará. “Valeu a pena”, sinteriza sobre os espaços e direitos conquistados. “Eu me orgulho muito e a sensação que tenho é que tem um tijolinho meu nessa construção”, afirma.

Apesar dos avanços, Monica reconhece que a mudança é lenta e que há muito ainda a ser feito. “A mudança dos direitos das mulheres se mostra muito lenta, mas está em progresso”, reflete. 

Outra defensora pública do Ceará que atuou nas trincheiras do movimento de mulheres foi Elizabeth Chagas, atual supervisora do Núcleo de habitação e Moradia e ex-defensora geral do Ceará (2019-2023). Por quase 10 anos, foi titular no Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) e participou de muitas lutas, entre elas a idealização e implementação do projeto Projeto Mulher Sem Medo, desenvolvido para a segurança de  mulheres. O projeto trata-se de um dispositivo que trabalha junto ao georreferenciamento para proteger vítimas, onde o agressor recebe uma tornozeleira eletrônica e passa a ser monitorado e a vítima recebe um dispositivo que identifica a proximidade desse agressor. 

“Esta é uma medida que pensei e é uma realidade há quase 10 anos no Estado do Ceará, o primeiro a ter tal tecnologia para ajudar as mulheres em situação de violência. Importante dizer que é uma medida que deve ser associada a tantas outras de proteção das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, e que se soma para que a mulher possa estar cada vez mais empoderada na busca de ajuda”, pontuou Elizabeth.  

A atuação de Elizabeth no Nudem está vinculada a uma tragédia pessoal. “Também é fato que o feminicídio de minha irmã, em 1998, me deu um gás nessa luta para que outras famílias não passassem por algo tão doloroso. A luta é para que não tenhamos nenhuma de nós a menos, para que não sejamos limitadas, constrangidas, mas sim empoderadas a sermos e estarmos onde desejarmos. As famílias marcadas por uma violência tendem a encontrar mais dificuldades e oportunidades e isso não marca apenas a mulher ofendida, mas toda a família”, destaca.

A Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha) alterou o Código Penal e hoje possibilita que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Esses acusados também não poderão mais ser punidos com penas alternativas. A legislação também aumenta o tempo da detenção e prevê medidas que envolvam a saída do agressor do domicílio e a proibição para este se aproximar da vítima ou dos filhos. A partir dela, os Estados são obrigados a garantir às mulheres em situação de violência doméstica ou familiar proteção policial, comunicando, de imediato, o Ministério Público e o Poder Judiciário. E são obrigados também a encaminhar a vítima até o hospital, posto de saúde ou instituto médico legal, fornecer transporte para a agredida e seus filhos até local seguro sempre que haja risco de morte.

“A divulgação dos projetos, das políticas públicas e das ações em prol das mulheres precisa ser cada vez mais difundida e todos juntos em prol da autonomia e vida das mulheres. Mais que comemorar os anos que a Lei possui, precisamos demarcar as providências tomadas e as que ainda faltam ser tomadas. Sempre há o que fazer para o evitar a cultura do machismo e o aumento dos feminicídios. A divulgação e expansão das boas práticas ajuda a que mais mulheres tenham acesso a todas as medidas e políticas públicas para a defesa da vida”, destaca Elizabeth.

Atualmente, o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública do Ceará, em Fortaleza,  é coordenado pela defensora pública Jeritza Braga. Uma equipe exclusivamente feminina faz a triagem, o atendimento , o acolhimento e o direcionamentos às mulheres que buscam romper o ciclo da violência. 

“A Resolução que cria o Nudem é de 2010 e instituiu no âmbito da Defensoria Pública a incumbência de promover a assistência jurídica, integral e gratuita, às mulheres em situação de violência de gênero no âmbito doméstico e familiar, nos termos do que preceitua o art. 35 da Lei Maria da Penha. Claro que, antes disso, já fazíamos o atendimento a essas mulheres, mas agora há todo um fluxo especializado nessa atuação. Em 2018, houve outra alteração nesta resolução  e as  mulheres transexuais, travestis e vítimas de crimes sexuais ou  qualquer caso de violência de gênero foram incluídas. Isso mostra que estamos sempre buscando melhorias nesse atendimento e estar conectadas às mudanças da sociedade”, contextualiza a defensora . 

Jeritza reflete sobre os desafios de garantir o acesso à justiça em uma sociedade ainda marcada pelo machismo e patriarcado. Ela lembra que, apesar dos avanços, a luta continua árdua. “Somos culpadas por querer participar, estar no mundo, escrever nossa própria história”, desabafa, sublinhando a importância da sororidade e do apoio mútuo entre as mulheres.