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Alex, Abel, José Luciano e Bianca. Quantas histórias cabem em um registro de nascimento

Alex, Abel, José Luciano e Bianca. Quantas histórias cabem em um registro de nascimento

Publicado em
TEXTO: BIANCA FELIPPSEN E TARSILA SAUNDERS
FOTO: ZEROSA FILHO

A emoção de um papel. Estranho? Não se esse papel passou a sua vida inteira sendo lembrado, lembrança ou mesmo pesadelo na vida. Não importando se passou 59, 32, 31 ou 18 anos. As histórias de Alex, Abel, Luciano e Bianca se conectam não só nesta folha, o registro de nascimento, mas se encontram no Dia D do mutirão Meu Pai Tem Nome, promovido pelo Conselho Nacional dos Defensores e Defensoras Públicas Gerais, neste sábado (10), véspera do Dia dos Pais. No Ceará, a ação aconteceu em três cidades, Fortaleza, Sobral e Crato, com o apoio da Associação de Cartórios de Registros Naturais (Arpen), do Laboratório Central (Lacen) do Governo do Estado e Prefeitura de Fortaleza, por meio da Funci. 

Em Fortaleza, chegou com os olhos azuis marejados a Maria Celeste Lopes, de 90 anos. Nesta idade, vindo resolver o que lhe é de direito: ter o nome do filho José Luciano, no papel, o registro de nascimento. Foi a neta, Camila Lima, que viu o ‘buraco’ em sua certidão. Faltava o nome da avó materna, dona Maria, embora a convivência com ela fosse da vida toda. E foi assim que ela trouxe o pai para, após quase seis décadas sem o nome da mãe na certidão de nascimento, o mecânico José Luciano Pinheiro, de 59 anos, finalmente ter por direito sua filiação.   

A situação era dessas que ainda se encontra por aí. Maria Celeste esteve ausente dos documentos dos quatro filhos, situação originada pelo seu esposo, Raimundo Zilmar, que só registrou o seu nome nos primeiros documentos de vida dos filhos. A omissão perpetuou. José Luciano viveu quase 60 anos sem o nome da mãe na certidão e essa ausência se estendeu a filha, Camila. “Possuir nomes na documentação faz parte de um dos pilares da execução plena da cidadania”, disse ela que, ao ver a divulgação do mutirão, apressou-se para resolver a pendência familiar. 

Camila estava feliz no atendimento dizendo ter presenteado o pai neste dia dos pais. “Acredito que isso será muito bom para ele, afinal, é a mãe dele. Todo filho tem o direito de ter o nome da mãe na certidão de nascimento. Até pra minha vó também será importante, pois sempre prezou por ter toda a documentação correta e alinhada. Ela vivia dizendo: ‘Luciano, você precisa ajeitar esses documentos’, e agora essa vontade dela finalmente será realizada”, explica. 

Luciano enfatiza a importância de resolver para, enfim, “renascer”. “Não deixem para depois! Problemas com documentos precisam ser resolvidos rapidamente, pois são essenciais para exercer nossos direitos como cidadãos. Espero que minha situação sirva de exemplo para outras pessoas. Fui muito bem atendido”, concluiu o mecânico, aliviado com o desfecho positivo.

Quem veio de longe resolver a vida foi Bianca, de 18 anos, fez a viagem de Bela Cruz, interior do Ceará, ao lado da mãe Érica da Silva e do pai Antônio Cléber Inez. Mesmo com os pais conhecidos e presentes, sua situação é a ausência total de documentos. Ao nascer, a maternidade expediu a Declaração de Nascido Vivo (DNV) com o sobrenome da mãe errado.

Daí em diante, viu sua vida passando sempre no arranjado. “A mãe ia na escola e eles deixaram eu estudar sem o registro. Até hoje”, disse a estudante do primeiro ano do Ensino Médio. Teve que fazer o exame de DNA, ofertado na Defensoria pelo Lacen. Como é um caso de subregistro, o programa ‘Sim, Eu Existo’, da Prefeitura de Fortaleza, fará a busca nos cartórios se não há mesmo o registro dela em Fortaleza. Não constando, será registrada com o nome dos pais. “Isso já me representa muita felicidade, sabe, porque eu sempre quis ter um registro pra conseguir as coisas com mais facilidade. Agora também eu posso participar das coisas que tem na escola, tipo, o programa Pé de Meia”, disse. 

Por fim, se não ter o papel é uma complicação, imagina ter ele incompleto. Mas não é a ausência de uma parte. Mas das partes deles inteiras. É o caso de Alex e Abel. Os dois chegaram com a certidão escrita só com o primeiro nome. Não possuem no registro nem sobrenome, nem filiação. Foram afastados da família biológica aos 4 e 3 anos de idade, pelo Conselho Tutelar e decisão judicial, e passaram a vida no acolhimento institucional. Aos 14 anos, souberam o nome do pai. E este nome virou uma obsessão até achá-lo e conseguirem a reaproximação.

Chegaram juntos ao atendimento, hoje com 32 e 31 anos, homens maduros. Com a aproximação paterna, ganharam os laços familiares que não tiveram na infância. Tem pai, madrasta, irmãos, tios. A ausência mesmo segue no papel: a falta de sobrenome e do registro da paternidade. 

Abel viu o mutirão na TV. Alex se inscreveu. Trouxeram o pai, Antônio, com olhos marejados pela, enfim, solução do nó que já envolve os filhos deles, cinco crianças ao todo. Sem o nome completo e filiação no papel foram a vida inteira contando suas histórias para conseguir emprego, estudar. Mas Alex lembra dos bullying na escola até hoje e a importância de reescrever essa folha.

Ele trabalha como humorista na internet (@alex.bb.loka) e Abel em uma fábrica de sinuca. “Eu tenho contato com meus parentes do meu pai, minha madrasta que chamo de Mainha. A gente brinca, conversa, somos uma família. Vai mudar tudo ter este documento porque vai provar que sempre estivemos aqui”, disse Alex que quer fazer um vídeo na internet contando sobre o desfecho que durou sua vida. Até agora. Abel, mais tímido, só pensa em daqui para frente. “Muita coisa vai mudar, quero registrar meus filhos e dar um destino diferente”, disse. 

“Quando falamos do registro de nascimento não é so o papel. É a história de vida daquela pessoa. São os laços emocionais que a ligam às outras pessoas, seus familiares. São direitos de pertencer, de cidadania, sucessórios, mas, principalmente, são afetos e o direito de ter uma história”, enfatiza a defensora geral, Samia Farias, que acompanhou a ação, ao lado da assessora de relacionamento aio cidadão, Aline Pinho e do coordenador das Defensorias da Capital, Manfredo Rommel, com apoio da equipe do Núcleo de Petição Inicial, supervisionado por Natali Pontes.