
“Ele me mudou completamente”, emociona-se pai socioafetivo no mutirão de Sobral
Texto e foto: Bruno de Castro, enviado à Região Norte
“Amor é o que cada um reúne para dar a alguém”.
(Lina María Murillo, de dez anos, na página 22 do livro “Casa das Estrelas”)
O menino queria tanto, tanto, tanto ter o nome do pai de criação na certidão de nascimento que, quando chegou a hora, madrugou em vez de amanhecer. “Ele sempre me faz sorrir. Então, hoje é o dia mais feliz da minha vida”, sintetiza Davi Lucas. Aos dez anos, o garoto já sabe a diferença entre quem só te bota no mundo e quem te dá amor. “Ele sempre me tratou bem. Me faz companhia e me deixa alegre. Eu sempre gostei dele e quero ter ele como pai”, diz.
“Ele” é Martonio Carvalho Furtado: pintor, de 26 anos e companheiro de Ingrid Soares, uma cuidadora de idosos de 25 anos que se reergueu após ser abandonada pelo pai biológico de Davi. Neste sábado (10/8), o caso foi um dos 19 atendidos pelo mutirão “Meu Pai Tem Nome” em Sobral, na região norte do Ceará, entre reconhecimentos voluntários, situações que precisam de uma decisão do juiz e exames de DNA. Orientações também foram dadas nos municípios de Forquilha, Meruoca e Alcântaras.
Davi, Martonio e Ingrid foram a primeira família a chegar para o Dia D de atendimentos. Estavam na sede da Defensoria Pública na cidade às 7h10min. “O pai biológico nunca quis saber de nada. Chegou a prometer que ia registrar, mas foi só palavra. Nunca procurou. E eu sentia que o Davi era carente de pai. A gente contou pra ele que o Martonio não era pai de sangue e ele disse que pai é quem dá amor e cuida. Então, acho que agora o amor só vai aumentar”, prevê a mãe.
“Eu sempre gostei de criança e brinco dizendo que me apeguei mais a ele do que a ela. Tem uns cinco anos que quero registrar ele no meu nome porque me dói muito ver como ele fica triste quando o pessoal cobra o nome do pai na certidão. Mas eu tinha medo de o pai biológico aparecer. Conseguir fazer isso agora é muito gratificante, porque esse menino é um anjo. Ele me mudou completamente. Ele é uma benção”, acrescenta Martonio.
O casal ouviu do defensor Eduardo Almendra que, pelo fato de Davi ter apenas dez anos, a lei obriga que a paternidade socioafetiva seja reconhecida por um juiz. Apenas após a sentença favorável é que o cartório emitirá uma nova certidão de nascimento. Nela, o garoto será não mais Davi Lucas Costa Soares e sim Davi Lucas Soares Carvalho Furtado. “É necessário um processo na justiça porque é preciso comprovar o vínculo socioafetivo deles. E também para o processo não ser usado em fraudes. É o que diz a lei”, explica o defensor.
Ciente de ter dado o primeiro passo para tornar-se pai de Davi também no papel, Martonio lembra os sete anos de convivência com o garoto e fala sobre o futuro. “A gente foi muito criticado quando falou que ia registrar o Davi no meu nome. Diziam que quando a gente terminasse eu ia ter que pagar pensão. Mas eu sempre digo que dinheiro não compra nada. A maioria das pessoas só quer saber de dinheiro, mas o que trouxe a gente aqui foi o amor. Se um dia a gente se deixar, eu vou ser o pai dele do mesmo jeito”, projeta o pintor.
Situação bem diferente da vivida por dona Marilene Sousa, de 32 anos. Mãe de dois garotos, ela vive em conflito com o pai de um dos meninos, Murilo, o mais novo, de apenas seis anos. Diagnosticado com TDAH, ele tem apenas o nome da mãe na certidão porque o pai não o reconhece como filho. “O pai diz que não é dele. Então, se é pra calar a boca dele, a gente faz o DNA. Quero o direito do meu filho garantido”, afirma.
Auxiliar de serviços gerais, Marilene diz que vai, logo após a confirmação da paternidade e emissão da certidão de nascimento, em busca de garantir a pensão alimentícia de Murilo. “Ele [o pai biológico] dá hoje 50 reais por quinzena. Isso mal dá pra comprar o remédio do menino! Ele tem dinheiro pra bebida e pra farra e não tem pro filho? Que conversa é essa? Não tenho nada contra a vida dele. Mas ele tem que cumprir com a obrigação dele de pai”, afirma.
Além de Sobral, o mutirão “Meu Pai Tem Nome” aconteceu em Fortaleza e no Crato (que reuniu casos de Juazeiro do Norte e Barbalha).