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Lukresya Nascimento: “A gente tá tentando trilhar um caminho de dignidade”

Lukresya Nascimento: “A gente tá tentando trilhar um caminho de dignidade”

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Foto: ZeRosa Filho

“Somos prova de que há outra possibilidade.”
Érika Hilton (@hilton_erika)

Lukresya Nascimento é uma figura conhecida no universo LGBT do Ceará. Circula por espaços artísticos, lidera coletivos, promove formações. Faz tudo isso, sobretudo para modificar a realidade das periferias de Fortaleza, por ser uma travesti senhora da própria história. E agora, aos 33 anos, é mais do que nunca dona de si. Tem, de fato e de direito, na certidão de nascimento o nome e o gênero com os quais identifica-se.

Uma das participantes da terceira edição do Transforma, o mutirão da Defensoria Pública do Ceará (DPCE) que altera a certidão de nascimento gratuitamente, ela classifica essa mudança como “uma sensação de bem-estar”, especialmente por vivê-la ao lado de outras mulheres trans, travestis e homens trans que constroem todo dia um mundo melhor.

“A gente sabe dos processos, das lutas e que cada pessoa precisa do seu momento de entender se está disposta a retificar (a certidão). Mas, pelo mutirão, o processo é menos burocrático. Então, se torna menos doloroso e menos violento. E mudar a certidão é um passo importante para inibir outras violências. Porque ter um documento que atesta que eu de fato sou eu evita que eu precise educar as pessoas quanto a isso. Elas vão ser obrigadas a me respeitar e a me chamar pelo meu nome. Isso torna a vida da gente um pouco mais leve e minimamente digna”, afirma.

Para Lukresya, ter nos documentos oficiais o nome e o gênero por ela escolhidos é também uma forma de abrir caminhos para outras travestis e pessoas trans que, devido à vulnerabilidade a qual estão sujeitadas, sequer conseguem tomar conhecimento de uma política pública como o Transforma. Além disso, é uma maneira de oferecer a própria identidade de gênero como meio de outra travesti reconhecer-se a partir da vitória da outra.

“A gente passa a se entender uma pela outra. Uma atravessa a identidade da outra. A gente tá todas juntas e ninguém é melhor do que ninguém. Porque, no fim das contas, a gente tá tentando trilhar um caminho de dignidade humana na sociedade. Então, que a gente possa olhar a pluralidade de corpos e identidades trans. Que a gente possa se olhar num olhar minucioso de cumplicidade, porque muitas não conseguem mudar a certidão por falta de informação, por falta de acesso, por falta de uma consciência social política. São vários atravessamentos. Aí, a gente olha pras manas e diz: ‘se você tá disposta, vamos lá e a gente vai conseguir’”, frisa.

É a partir também do autoconhecimento que pessoas trans e travestis têm de si mesmas que Lukresya antevê a existência de um mundo mais diverso e em respeito às diferenças, em especial no tocante às tantas identidades existentes. Porque cada vez mais são elas quem reivindicam espaço e visibilidade. Tanto quanto tem tudo isso uma pessoa cisgênero e heterossexual, por exemplo.

“A gente é que tem que validar quem de fato a gente é, não o outro. Mas a gente ainda fica muito sujeito à validação do outro. O outro é quem vai dizer da nossa humanidade, quando isso na verdade é um processo de subalternidade e que nos coloca à margem da sociedade. Porque a gente só consegue desburocratizar os processos da vida a partir das afetividades. É pela dororidade, entendendo a dor da outra. Só assim a gente consegue tratar com humanidade as pessoas trans e travestis. Então, a Defensoria ter esse trabalho social, digno e humano já é um bem estar que nos causa”, finaliza Lukresya.