
Amar Defensoria chega a Acaraú. População denuncia danos socioambientais causados pelas eólicas em roda de conversa com defensoras
Texto: AMANDA SOBREIRA
Foto: GIULLIAN RODRIGUES
“Vão fechar os caminhos da praia. Por onde vamos passar? Como vamos trabalhar? O que a gente quer de vocês é ajuda para deixar a gente livre, do jeito que está hoje”. A fala da marisqueira Lucinete Honório resume bem o desejo de todo Curral Velho, comunidade tradicional pesqueira, situada no litoral oeste do Ceará, em Acaraú, a 230 km de Fortaleza. Eles querem barrar a expansão do Parque Eólico Ventos do Acaraú, instalado na região.
Os moradores da região vivem da pesca artesanal e de mariscos, agricultura e roçados, além do artesanato, especialmente a palha e a renda, reforçando a herança dos povos tradicionais que, desde o século XVIII, habitam a região. Foram esses moradores que compareceram em peso à roda de conversa promovida pela Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) para ouvir as principais necessidades da comunidade. O encontro realizado na Associação de Moradores Encante do Mangue girou em torno de uma pauta: os parques eólicos instalados na região.
As defensoras Mariana Lobo, que coordena o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria, e Camila Vieira, que coordena a assessoria de projetos da Instituição, a ouvidoria geral externa Joyce Ramos, participaram do encontro, além dos defensores públicos que atuam na região, Martônio Brandão e Alisson Daher. Quem também fez questão de ouvir a comunidade pessoalmente foi a defensora pública geral, Sâmia Farias.
“Visitamos as comunidades para levarmos direito, cidadania, conhecimento e acesso à justiça. É importante estar perto da comunidade, ouvindo os relatos, e aqui, especialmente, trataram da expansão das eólicas. A gente vem entender o ponto de vista deles, para pautar o diálogo e reverberar o que eles dizem, garantindo os direitos de cada um”, destacou Sâmia.
Foi a luta da comunidade de Curral Velho que impediu que a Associação virasse um pedaço do parque eólico. Mas da sala da Associação é possível ver e ouvir as conhecidas hélices dos aerogeradores, mesmo a 12 quilômetros de distância. A poluição sonora atinge 10 mil habitantes em 18 comunidades tradicionais, o que representa 16% da população de Acaraú, segundo um levantamento realizado pelo Departamento de História da Universidade Federal do Ceará, estudo apresentado durante a reunião.
Ainda de acordo com a pesquisa, 76% dos moradores citam o barulho causado pelos parques eólicos como um problema. “É como você passar o dia todo, manhã e noite, com um zumbido no ouvido. Como se fosse um caminhão velho atolado a noite todinha. Quem mora mais perto não consegue dormir, não tem qualidade de vida”, diz o pescador Vanilson Honório que vive há 40 anos da pesca.
Segundo os dados da UFC, 65% dos moradores foram pegos de surpresa com a instalação do Parque e 92% da comunidade não viu nenhum benefício com a chegada da chamada energia limpa. “Limpa para quem? Junto com ela, vem exploração sexual, prostituição, assédio. De bom, não vem nada. De limpo também não. Só veio destruição para nós e muito lucro pra eles e agora eles querem entrar no mar e colocar portões impedindo a comunidade de passar. Só que aqui 80% de nós vive da pesca”, completou o pescador Vanilson.
A resistência da comunidade vem desde a luta dos moradores contra as fazendas de camarão. A carcinicultura deixou um rastro de destruição ambiental na região, com o desmatamento indiscriminado dos manguezais do rio Acaraú, a invasão de terras e ameaças. Ainda hoje, há ambientalistas da região no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Foi com o objetivo de ouvir essas comunidades pesqueiras, quilombolas, indígenas e artesãos que a Defensoria Pública lançou o projeto “Amar Defensoria, um Mar de Direitos” que já passou pelas cidades de Trairi, Itapipoca e Itarema. As demandas serão encaminhadas aos órgãos competentes para seguir com a devida atuação da Defensoria.
“Como ouvidora da Defensoria, irei acompanhar como serão os encaminhamentos das demandas, continuando as escutas e participando das articulações junto aos movimentos populares sobre os impactos socioambientais causados pelos projetos de energia eólica”, ressaltou Joyce Ramos.
O encontro contou ainda com a presença de pesquisadores da UFC, representantes do IDACE, do Ministério Público do Ceará, da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, do Escritório Frei Tito, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Acaraú, do Instituto Terramar.