
Após dois anos de afastamento, mãe consegue reaver a guarda dos cinco filhos
Texto: DEBORAH DUARTE
ILUSTRAÇÃO: VALDIR MARTE
Foram dois anos, dois meses e dois dias de uma separação dolorosa, marcada por uma busca incessante por justiça e pelo reencontro familiar. Em um cenário de incertezas, uma mulher, de 36 anos, lutou incansavelmente para provar na Justiça que tinha condições de retomar a guarda de seus cinco filhos. A história, repleta de amor, esperança e resiliência, termina feliz após exatos 792 dias de afastamento.
Tudo começou há dois anos, quando as quatro meninas e o menino, hoje com idades entre 14 e 2 anos, foram levados para unidades de acolhimento em Fortaleza e Itaitinga. Haviam denúncias de negligência, maus tratos e violência. A mãe das crianças era vítima de violência doméstica do ex-companheiro e pai das duas crianças mais novas. À época, as meninas tinham oito meses e três anos de idade. Os vizinhos denunciaram ao Conselho Tutelar e um processo de destituição do poder familiar foi iniciado em Beberibe, cidade onde residem.
A destituição do poder familiar é uma medida jurídica que retira dos pais o poder de exercer a guarda, a educação e a responsabilidade pelos seus filhos menores de idade. Essa medida é aplicada em casos graves de negligência, abuso, abandono, maus-tratos, violência doméstica ou outros tipos de conduta que coloquem em risco a integridade física, emocional e moral dos filhos.
No dia 12 de maio de 2022, as crianças foram para uma unidade de acolhimento, na cidade de Itaitinga. “Perdi a guarda porque eles presenciaram muitos episódios de violência e no dia que eles saíram da minha casa foi o pior momento da minha vida. Foi como se minha vida tivesse acabado ali, sofri bastante, mas pedi forças a Deus pra trazer meus filhos de volta. Eu precisava entender primeiro o que estava acontecendo comigo pra poder ajudar meus filhos”, revela a mulher.
A mãe passou a visitar as crianças na unidade de acolhimento, mas o companheiro ia sempre junto. As assistentes sociais percebendo o contexto de violência começaram a dar orientações para que aquela mulher pudesse se identificar como vítima e saísse do relacionamento violento. “Foi quando dei um basta, procurei a delegacia e pedi a medida protetiva. A polícia chegou a ir na minha casa para ver se ele estava lá, porque como tinha saído da medida protetiva, ele não podia estar mais na residência. Desde então, ele tinha ido lá para a minha família dele, mas sempre trabalhou perto de um equipamento aqui que me acompanha. Sempre eu o via, só que ele nunca mais chegou perto de mim”, complementa.
Dando um basta na violência doméstica, a mulher precisava provar na justiça que tinha condições de reaver a guarda dos filhos. Durante os dois anos de afastamento, os irmãos chegaram a ser separados. As meninas saíram da unidade de acolhimento e foram para a casa de tios maternos. O menino foi o único que ficou. Meses depois, as meninas voltaram para a unidade de acolhimento, mas era outra, diferente de onde o irmão estava.
“Eu participava das visitas que aconteciam a cada quinze dias, depois passaram a ser uma vez por mês, e todo sábado aconteciam as chamadas por videoconferências. Eu não perdia nenhum momento e a despedida era muito dolorosa. As coordenadoras dos abrigos vendo o sofrimento deles estarem longe uns dos outros conversaram e conseguiram que o meu menino fosse para o mesmo lugar onde estavam todas as irmãs. Em toda visita eu falava pra eles: ‘eu tô lutando, vocês vão sair daqui, porque eu estou correndo atrás de vocês’”.
A Defensoria Pública do Estado do Ceará passou a atuar no processo em março de 2024 e mostrou o vínculo entre mãe e filhos. A defensora pública Adriana Gonçalo foi a responsável pela atuação. O processo chegou para a Defensoria já na fase de alegações finais. “A Defensoria ainda não tinha atuado no processo, porque a mãe tinha um advogado particular constituído e quando ele chegou pra gente já tinham sido produzidas as provas que as partes julgavam importantes e já estava para alegações finais. Quando eu analisei o processo inteiro, que vi os relatórios, vi toda a história, aquele processo me tocou muito, principalmente, pelas crianças, porque eu sabia que um eventual rompimento definitivo do vínculo seria algo muito traumático para elas, seria um sofrimento muito agudo, mas também pela mãe, porque eu sabia que ela queria a chance de ter os filhos de volta”, destacou.
Depois de analisar toda a documentação existente no processo, a defensora pública fez reuniões com o Conselho Tutelar de Beberibe, o CREAS e também com a equipe da unidade de acolhimento no sentido de encontrar um caminho para que as crianças pudessem voltar para casa. Até então, a inclinação dos equipamentos era para a destituição do poder familiar. “O parecer profissional deles era pelo rompimento do vínculo mesmo, porque, no entender, principalmente do Conselho Tutelar, essa era a medida mais adequada para o caso. Só que uma medida dessa nunca é adequada, ela nunca é 100% positiva. Melhor dizendo, uma medida dessa sempre deixa um saldo negativo”, destacou.
Apesar dos relatórios prévios que indicavam uma situação desfavorável, após a atuação da Defensoria, nenhuma testemunha apontou qualquer indício de maus-tratos. Pelo contrário, todos os relatos ressaltam a dedicação e o carinho da mãe. Além disso, a rede de proteção também se articulou e a mãe começou a receber suporte. Com isso, os relatórios foram mudando e, a partir da apresentação das alegações finais da Defensoria, o entendimento do Ministério Público mudou. “Ela sempre foi uma mãe amorosa. Era de cortar o coração ver as crianças chorando quando ela se despedia ao final das visitas”, afirmou uma das cuidadoras das unidades de acolhimento no relatório social anexado no processo.
A batalha foi árdua. A cada audiência, a esperança de reencontro crescia, mas também o medo de uma eventual destituição do poder familiar. Se isso ocorresse, as crianças poderiam permanecer institucionalizadas e adentrarem ao cadastro nacional de adoção. No entanto, após uma análise criteriosa, reconheceu-se o amor e a capacidade da mãe em prover um ambiente seguro e acolhedor para seus filhos. Enfim, a família pôde finalmente se reunir.
No dia 11 de junho deste ano: a decisão favorável. O juiz da 2a Vara da Comarca de Beberibe decidiu pela manutenção da guarda das crianças para a mãe, mas retirou todos os poderes dos pais das crianças.
O reencontro foi marcado por lágrimas, abraços apertados e sorrisos de alívio. “Cada segundo longe deles foi um tormento. Mas nunca perdi a fé de que estaríamos juntos novamente. Primeiramente, agradeço a Deus, segundo à Defensoria, que não mediu esforços para trazer meus filhos de volta para mim e cada momento estou curtindo eles, há um momento feliz da minha vida, porque o que estava faltando era só ter meus filhos de volta e seguir minha vida como eu estou seguindo com eles.”, disse a mãe emocionada. Hoje, juntos, novamente, reconstroem com amor os laços que os uniram, mesmo nos momentos mais difíceis.