Aumento no número de pessoas em situação de rua exige ainda mais atenção das políticas públicas
Em todo o Brasil, cerca de 222 mil pessoas vivem em situação de rua que, além de todas as vulnerabilidades, ficam superexpostas aos riscos do novo coronavírus (Covid-19). “Com a pandemia, todas as vulnerabilidades da população em situação de rua aumentaram, porque ela se expõe a todos os extremos. São pessoas que quase nunca têm o básico para sobreviver. Se a recomendação principal da prevenção ao coronavírus é para não sairmos de casa, como dizer isso a quem sequer tem casa?”, indaga a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), defensora Mariana Lobo.
Durante a pandemia, a Defensoria inspecionou diversos equipamentos que atendem à população em situação de rua e demandou melhorias na prestação dos serviços com vistas de não serem ainda mais vulnerabilizadas. Foram feitas ainda visitas a entidades filantrópicas que desenvolvem um trabalho importante para esse público e ainda a abrigos públicos.
Os números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) impressionam: a população em situação de rua no Brasil cresceu cresceu 140% nos últimos oito anos. No estudo “População em Situação de Rua em Tempos de Pandemia: Um Levantamento de Medidas Municipais Emergenciais”, o Ipea mapeou as principais medidas de assistência adotadas pelas prefeituras nas capitais do Nordeste e Sudeste. Entre as 13 capitais dessas regiões, as ações mais reportadas são: abrigamento, higiene e alimentação. Em sua totalidade, estas pessoas são público-alvo da Defensoria para terem estes e outros direitos básicos garantidos.
A atuação da DPCE para essa população é essencial. “Nós estamos em contato constante com abrigos e centros especializados, seja presencialmente ou de maneira remota. Muitos precisam de acompanhamento processual, porque têm procedimentos criminais, mas as vulnerabilidades são muitas: alimentar, de saúde, de registro… Muitos sequer têm documentação, às vezes, sequer tem certidão de nascimento. A gente faz cerca de 40 pedidos aos cartórios por mês tentando encontrar soluções para esta área de registros”, estima a defensora.
Muitas demandas chegam ao conhecimento da DPCE por encaminhamento de outros equipamentos públicos. Em Sobral, na região Norte do Ceará, a própria Prefeitura acionou a Defensoria para compor uma rede de atendimentos à população em situação de rua logo no início da pandemia, quando escolas municipais começaram a ser utilizadas como abrigos. Segundo o defensor público Igor Barreto, titular em Sobral, a principal demanda de quem está em situação de rua na cidade, a exemplo de Fortaleza, é documentação e análise de procedimentos criminais pendentes. “Demanda por moradia não é tão recorrente porque, em boa parte, eles estão em situação de rua não necessariamente por não terem uma casa. São muitas as vulnerabilidades que levam uma pessoa às ruas, por vezes, por terem brigado com a família, por drogadicção, prostituição, entre tantos outros fatores”.
Ele informa que é flagrante o aumento de pessoas em situação de rua. “Estou aqui há dez anos e nunca deixei de ver. Tem é crescido. Há locais nos quais encontramos pessoas em situação de rua há pelo menos uma década, apesar de ter sido inaugurado um Centro Pop (equipamento voltado exclusivamente ao atendimento dessa população). Mas, na pandemia, só não foi para abrigamento quem não quis. Alguns não desejaram, foram resistentes porque abrigamento tem regras de convivência, entrada e saída”, remonta o defensor.
Em Aracati, no litoral leste do Ceará, foi graças a uma recomendação expedida pela Defensoria que a população em situação de rua teve onde se abrigar durante a pandemia. Diante do elevado risco de morte por conta da exposição à Covid-19, a DPCE solicitou à Prefeitura a viabilização de espaço para essas pessoas terem onde ficar isoladas e acesso à alimentação e higienização. O estádio municipal acabou transformado em abrigo.
“É visível que a população em situação de rua da cidade aumentou. O que a Prefeitura nos relatou foi dificuldade de alojar essa população, porque eles mesmos não queriam ficar alojados. Existe uma certa resistência. Muitos não iam nem para receber itens de higiene. Em Majorlândia e Canoa Quebrada, que são locais com grande fluxo turístico, também há muita gente em situação de rua”, detalha o defensor público Diego Cardoso.
Ele reforça serem recorrentes os apelos por documentação. Algo que impacta inclusive em questões criminais. “Muitos são presos, nós somos acionados e, quando vamos ver, sequer têm documentos. Ou então o Conselho Tutelar nos procura porque atende a uma ocorrência e encontra criança sem registro. Aí nós temos que acionar o cartório. Ainda não existe a cultura de essa população nos procurar. Nós é que somos acionados por outros órgãos ou fazemos busca-ativa no atendimento delas. Seria importante, assim que possível, termos mais eventos em locais públicos. Projetos como a Defensoria em Movimento para aproximar mais a instituição das pessoas. Nós estamos de forma mais ativa em busca dessa população que, em geral, não tem só uma demanda. É sempre um olhar múltiplo que é exigido da gente na atuação”, disse.
