#NaPausa debate consequências de prisões equivocadas por conta de catálogo fotográfico nas delegacias
“Justiça não é condenação”. A declaração é do coordenador da Comissão Criminal Permanente do Colégio Nacional dos Defensores Gerais (Condege) e defensor público da Bahia, Maurício Saporito, durante conversa com a defensora pública do Ceará Liana Lisboa, no #NaPausa. Promovida pela DPCE na última sexta-feira (26/2) no Instagram, a live teve como tema “Os desdobramentos do reconhecimento fotográfico na vida do acusado”, assunto que emerge logo após a divulgação de relatórios do Condege que mostram 90 prisões, entre 2012 e 2020, decretadas por reconhecimento de fotografia.
No diálogo, os defensores teceram comentários sobre as consequências que um injusto encarceramento pode gerar no acusado. O indivíduo é retirado do convívio familiar para ser colocado numa prisão, apenas pelo reconhecimento de uma fotografia contida num catálogo de acusados em alguma delegacia. Catálogo este que sequer possui conhecimento real por parte dos juristas e responsáveis pela área criminal. Tal realidade tem provocado discussões sobre a necessidade de mudança desta valoração probatória.
Ao comentar o caso de concessão do habeas corpus executado pela 17° Defensoria Pública de Santa Catarina (DPESC) em favor de dois assistidos condenados na primeira instância por suspeita de prática de roubo, Maurício Saporito classifica a ação do órgão como um divisor de águas no que concerne à defesa de acusados presos apenas por reconhecimento de fotografia.
“Quando as decisões judiciais se utilizam de pesquisa, a gente começa a entender a necessidade de se trabalhar com pesquisa dentro do âmbito judicial. Sair só da referência acadêmica e trazer a pesquisa para a nossa atuação prática”, destaca o defensor baiano.
Maurício Saporito citou a reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, acerca do relatório do Condege sobre o número de prisões injustas, o qual foi mote de outro #NaPausa, o qual você pode assistir clicando aqui. O defensor ressalta que nesta pesquisa 83% das pessoas são negras e, das pessoas presas, algumas ficaram privadas de liberdade por 24 dias e outras por um período de até dois anos e três meses.
“É duro pra gente que faz a defesa criminal se deparar com esses dados porque a pessoa fica inocentemente presa por mais de dois anos… Você não tem nem o que dizer para essa pessoa. Quando sai a absolvição, não tem o que falar para ela”, afirma a defensora Liana Lisboa, ao detalhar a delicada situação dos encarcerados equivocadamente.
“Existe a questão do racismo do próprio reconhecedor. A pessoa que reconhece [pela fotografia], ela é formada dentro de uma estrutura racista. Então, é o racismo que coloca essa pessoa no álbum de fotografia, é o racismo que faz com que essa pessoa seja abordada, a foto dela vai parar lá e ainda tem o racismo de quem reconhece. Tem uma imagem construída de quem que é o criminoso”, pontuou a defensora cearense.
Liana Lisboa salientou ainda que muitas pessoas nem mesmo desejam entrar com pedido de indenização contra o Estado por receio de lhes acontecer algo. “A ideia da opressão, da sujeição criminal, está tão internalizada nessas pessoas que elas não conseguem se desprender do risco de se prejudicarem caso tomem algum tipo de medida contra o Estado porque foram indevidamente presas, indevidamente reconhecidas num procedimento que sequer atende a parâmetros mínimos legais”, afirmou.
A defensora cearense citou que o artigo 226 do Código de Processo Penal precisa ser bem aplicado para que não se incorra nos mesmos erros de outrora. “A gente está falando de uma praxe policial, que é o reconhecimento fotográfico, que não tem previsão legal. Isso é o mais louco de tudo, porque nós não temos um código de processo penal omisso em relação a isso. Nós temos o artigo 226 há anos dizendo como tem que ser feito o reconhecimento de pessoas”, alertou.
Ao falar sobre o álbum de fotografias presente em muitas delegacias, Marcelo Saporito relatou o grande desafio que se apresenta para os defensores de lidarem com a exposição desses presos injustamente no banco de imagens da unidade, mas hoje, devido à Internet, também nos grupos de Whatsapp e Facebook. Ele falou da importância de promover concursos de pesquisa sobre a relação desses acusados com a sentença determinada por intermédio apenas por reconhecimento de fotografias.
“O mais difícil é a gente conseguir comprovar a existência desse banco de dados, porque a gente sabe que tem, o Judiciário sabe que existe, o Ministério Público sabe que existe, todo mundo sabe que existe, mas se a gente entrar com uma ação o que vai acontecer? Vão dizer que nós não comprovamos que, de fato, então, não será dado provimento a isso”, criticou Marcelo.
Por fim, ele destacou a necessidade de se refletir sobre os erros cometidos e avaliar as circunstâncias. “Há uma pressão por resultados, por um volume, que faz que a pessoa vá atropelando processos. Não punir é justiça também. Parece que o Judiciário entende muitas vezes, e o Ministério Público, que você tem que movimentar a máquina e tem que condenar alguém, que tem que fazer justiça condenando, mas justiça não significa condenação”, finalizou.


