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“Precisamos abrir diálogo, inclusive com militares, pra gente virar essa página”, diz anistiado sobre a Ditadura no Brasil

“Precisamos abrir diálogo, inclusive com militares, pra gente virar essa página”, diz anistiado sobre a Ditadura no Brasil

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A última edição deste ano do #NaPausa, programa de conversas e debates da Defensoria Pública do Estado (DPCE) no Instagram, aconteceu nessa quarta-feira (16/12) e teve como convidado um dos nomes mais importantes do Brasil no debate público sobre a Ditadura Militar: Mário Miranda de Albuquerque. Ex-conselheiro da Comissão Nacional da Anistia e ex-presidente da Comissão Especial de Anistia do Ceará, ele disse que o período deixa feridas abertas no país até hoje e que “nós precisamos abrir um amplo diálogo, inclusive com os militares, para que a gente possa virar essa página.”

O debate “Comissão de anistia: memória e reparação” foi feito com o defensor público Eduardo Villaça e está disponível na íntegra para visualização no perfil @defensoriaceara. “Esse é um tema que nos é muito caro. É muito caro à nossa memória. E o que mais impressiona e preocupa hoje é a tentativa de alguns setores de mudar o que aconteceu. Passam a ideia de que não foi nada grave, que não houve tortura, perseguição e desaparecimentos. Meu avô, por exemplo, foi preso em 1965, relata as torturas que sofreu e tem sequelas até hoje, com 93 anos”, pontuou Vilaça.

Também preso político e torturado pela Ditadura, Mário Albuquerque ficou detido quatro anos e meio em Pernambuco e outros quatro anos e meio no Ceará. Ele considera a criação da Comissão da Anistia em 2002, por iniciativa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um marco político brasileiro e “uma conquista da sociedade”, pois permitiu ao Estado brasileiro aplicar a Lei nº 10.559, “que foi uma lei que completou o processo de anistia iniciado em 1979.”

Segundo Albuquerque, a legislação voltada aos anistiados da Ditadura foi, em princípio, “muito restrita” e não, como tenta-se dar a entender, de caráter amplo, geral e irrestrito tal qual normas similares anteriores. “Essa lei de 1979 sequer libertou todos os presos políticos. Foi, na verdade, a primeira Anistia brasileira restrita. O último preso político do país foi libertado só dois anos depois da lei, aqui no Ceará, José Sales de Oliveira. A Anistia é feita para pacificar a nação e essa de 1979 não teve esse objetivo, tanto que até hoje é uma ferida que não cicatrizou. E não cicatrizou exatamente porque não foi ampla, geral e irrestrita. A participação da sociedade é que foi ampliando essa Anistia, que culminou com a edição da Lei 10.559, colocando para dentro quem estava fora, principalmente soldados, cabos e sargentos das Forças Armadas excluídos de todas as anteriores. É uma lei de Estado, não uma lei de Governo”, caracteriza Mário.

O anistiado recorda que, com a Comissão Nacional, todas as ações referentes à época ficaram concentradas num só colegiado, ligado no Ministério da Justiça. Antes, cada pasta do Governo Federal definia, por si, pela criação ou não de comissões de anistia. Foi quando as sessões do grupo passaram a ser públicas e ganharam visibilidade e transparência nacional, não cabendo mais avanços apenas na esfera administrativa.

“Nossa geração foi a primeira que resolveu não pagar o preço do esquecimento. Se você pega a anistia antes dessa, em 1945, ao fim do Estado Novo, no Governo Getúlio Vargas, teve comissão de anistia também. Mas quase não se tem memória daquele tempo. Se você pesquisar, encontra poucos livros. Você vai no Arquivo Público do Ceará e mal encontra documentos sobre o Estado Novo aqui. A Comissão de 2002 trouxe uma história que estava escondida, sufocada”, afirma Albuquerque.

Mário integrou a Comissão Nacional de 2010 a 2018 e lembra que fruto desse trabalho foi a Comissão da Verdade. “Há muito a se fazer ainda, mas o que nós fizemos até agora não é pouca coisa para os nossos padrões. Porque a nossa cultura é de jogar pra debaixo do tapete; de olhar só pra frente e não pro passado. Assim, vamos repetindo o passado. E o passado não passa. Nós vimos que era importante a sociedade brasileira tomar conhecimento dessa história. Ela tinha que se ver no espelho, porque as violências acontecidas não são responsabilidade só do Estado. São da sociedade também. A Ditadura teve apoio social. Estamos agora mesmo vivendo uma nova fase desse processo.”

Ele enalteceu a atuação da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, do Ceará, que, conforme Mário, é a única do Brasil ainda em funcionamento. “É completamente diferente da nacional, que o atual Governo Federal esvaziou completamente e é presidida por um general que diz que não houve Ditadura nem tortura. A marca desse governo é o negacionismo em todas as esferas. Aqui, em nível estadual, a comissão existe desde 2004 e existe até hoje. É uma Comissão de Estado, não de Governo, que tem pago as indenizações. Claro que essas indenizações são algo simbólico. A reparação é mais com a Nacional, inclusive do ponto de vista trabalhista, e com o pedido oficial de desculpas do Estado brasileiro”, finalizou Mário Albuquerque.