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Todos os direitos se encontram na mulheridade

Todos os direitos se encontram na mulheridade

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Não à toa Lélia Gonzalez defendeu que “nosso lema deve ser: organização já”. Mulher, negra e ativista social, ela representa um perfil de pessoa sobre o qual incidem opressões diversas. Para além do machismo. Marcadores sociais que, neste 8 de março, amplificam discussões sobre conquistas, a imperiosa queda do patriarcado e outras emancipações necessárias. Realidades que tornam cada trajetória única, mas também provam o quanto todos os direitos – delas, humanos, de todos – se encontram na mulheridade.

Porque se o mundo começa pela mulher, é também por ela, na resistência e luta, que ele não vai involuir. “Quando se fala de empoderamento da mulher, isso passa por educação em direitos humanos. Nós hoje temos órgãos que conseguem trabalhar isso. E uma corte que tem tido sempre uma postura firme em favor das populações vulneráveis. Mas se a formação do Supremo Tribunal Federal mudar, isso pode ficar em risco, porque é uma luta diária. A gente dá um passo pra frente e engata noutros três, pra garantir. Muitas vezes, a gente luta pra não recuar”, avalia a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Mariana Lobo.

A defensora enaltece a participação da sociedade civil na garantia de o debate público em torno dos direitos das mulheres fomentar avanços importantes como os conquistados no último século: o direito ao voto, questões trabalhistas, representações políticas – ainda que se precise melhorar muito -, configurações familiares e dezenas de outras demandas urgentes, a exemplo das identitárias, para outros feminismos – além do encabeçado pela mulher branca e cisheterossexual – serem reconhecidos.

“Muitos conselhos foram criados e essa participação da sociedade civil é essencial. Quando as pessoas conhecem seus direitos, podem exercê-los inclusive independente da justiça. Nos últimos anos, temos uma visibilidade maior para garantia de direitos humanos de segmentos vulneráveis . Mulheres, pessoas com deficiência, negros, população LGBTQIA+… E é importante garantir voz também às mulheres indígenas. Elas têm direitos enquanto mulheres, mas também têm direito à etnia e, na pandemia, muitas tiveram dificuldade de acesso à segurança alimentar e à proteção do próprio território. A gente tem observado que elas trazem essa necessidade de afirmação étnica como algo muito forte de dois anos e meio pra cá. Acredito que por conta do cenário nacional”, acrescenta Mariana Lobo.

Mestra em Antropologia, Izabel Accioly aponta a necessidade de a legislação brasileira assegurar com mais eficácia e eficiência o direito da mulher negra à vida, pois são elas as vítimas mais recorrentes tanto de violência doméstica quanto de feminicídio no país. A pesquisadora destaca como fundamental a criação da Lei Maria da Penha, um marco da luta feminista, mas alerta que a mulher branca não pode ser vista como “sujeito universal.”

“A Lei Maria da Penha gerou uma onda de notícias, de conscientização, de campanhas educativas etc, mas o feminicídio entre mulheres brancas diminuiu e entre mulheres negras aumentou. Ou seja: o recorte de raça não foi considerado. Quando o recorte de raça não é considerado, só se pensa em proteger mulheres brancas. Quando se pensa no universal, o universal é branco. Essa é uma conquista que não contempla as mulheres de forma homogênea. Se você pensar na mulher trans negra, a expectativa de vida dela é menor ainda”, compara.

Izabel Accioly destaca que a luta secular das mulheres por direitos fazendo o recorte de gênero é algo que necessariamente se conecta à luta de classes. Ela cita o cenário da pandemia do novo coronavírus como exemplo, no qual a primeira pessoa a morrer de Covid-19 no Brasil foi uma mulher negra, pobre e empregada doméstica – infectada pela patroa, branca e rica, recém-chegada de uma viagem à Europa.

“Pegamos aí gênero, raça e classe, afora nossa herança escravocrata de ter uma pessoa em casa pra fazer algo pra mim, porque eu não sou um adulto funcional. Não estamos falando de qualquer emprego. É um emprego fortemente marcado pelo nosso passado colonial. Nós, mulheres, precisamos ter garantido o direito a empregos dignos; empregos que nos garantam ficar isoladas. Ou auxílios que nos permitam a não submissão a subempregos. Mulheres negras estão nos piores empregos e recebem os piores salários. A luta pelo fim da desigualdade material também é luta das mulheres negras, que estão organizadas porque sempre estiveram”, frisa a antropóloga.

Para a vice-presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Rita Lima, o papel da mulher no campo público hoje é mais estimulado e, em perspectiva histórica, isso precisa ser colocado como um avanço para o Brasil – já que atualmente é possível falar com transparência sobre a intenção e a necessidade de os espaços serem menos masculinos e mais diversos (inclusive dentro do espectro da masculinidade, ainda reduzido ao homem branco cisheterossexual).

“Quando a gente entrecorta fatores raciais, sociais, de classe, de deficiência etc, a gente encontra mais fatores de opressão. Não podemos pensar o gênero isoladamente, embora, claro, a gente dê um enfoque maior às questões de gênero no 8 de Março. Eu, enquanto mulher branca, preciso ter um debate dentro do movimento feminista hegemônico de revisão dos próprios privilégios. Se dizemos que o feminismo negro ganha cada vez mais proeminência e tem denunciado pontos cegos da pauta branca, cabe a quem ocupa esses espaços fazer um esforço ativo pra revisar os privilégios no que tange à sua branquitude. Temos que pautar um sistema de opressão sem esquecer do outro. Fazer um esforço ativo para que mais mulheres negras ocupem espaços de fala”, opina Rita.

Ela acredita que uma maior pluralidade vai garantir a adoção de estratégias mais eficazes pro dia a dia das mulheres. Inclusive no tocante à sobrevivência, para desvendar, por exemplo, o porquê de medidas protetivas serem menos eficientes quando mulheres negras são as vítimas da violência. Ou para pautar a importância de a mulheridade ser também sinônimo de direito ao próprio corpo.

“Corpo é um tabu muito grande. O cenário atual não é favorável pra esse debate, mas isso não quer dizer que ele não deva ser protagonizado pelas mulheres. O direito ao corpo é central pro enfrentamento da causa máxima da violência contra as mulheres porque toda violência baseada no gênero tem na sua origem a ideia patriarcal e machista de dominação do masculino sobre o feminino. E ela se dá, em última instância, sobre os nossos corpos. Toda pauta do feminino pode ser corporificada. Não é somente sobre interromper uma gravidez. Quando a gente fala de mulheres na política, é sobre nós podermos circular livremente em espaços predominantemente masculinos”, detalha a defensora.

Travesti, negra e artista, Yara Canta sabe que é mulher. Tem nome garantido por lei e luta por outras que sonham com a pertença ao feminino diante da força do direito (e do Direito) como fruto das conquistas dos movimentos sociais. Neste março das mulheres, ela defende que a pauta de travestis e mulheres trans não seja só a do sofrimento, da violência, da marginalização e da morte.

Muito embora o Brasil lidere o ranking de países que mais matam pessoas LGBTQIA+, o debate público não pode se reduzir a isso: ao não existir. Porque elas existem. Também são mulheres. Também exercem suas mulheridades. “Nós somos múltiplas. Nossas mulheridades são múltiplas. Cada uma tem sua especificidade. E eu, como travesti negra, quero também falar de vitórias. O movimento de travestis e mulheres transexuais é importantíssimo. É uma luta que vem de muitas décadas. Nossos passos não vêm de hoje. E uma das nossas maiores vitórias é o nosso nome. Eu enfrentei isso de um jeito diferente. Não é mais tão difícil. Tem lei que garante o nome social. A retificação no cartório é muito mais facilitada. Eu tive que dar entrada pela Defensoria e demorou porque na época não tinha lei. Foi uma luta que me trouxe diversos traumas. Eu sofri por muito tempo porque eram muitos laudos e muita burocracia. Hoje, me sinto feliz de ver que as novas meninas e meninos vão passar por esse processo num caminho muito mais fácil”, comemora Yara, que é coordenadora geral da Associação de Travestis do Ceará (Atrac).

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